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A SOCIEDADE EGBE ÒRUN DOS ABIKÜ, AS CRIANCAS
NASCEM PARA MORRER VARIAS VEZES *
Pierre Verger
Universidade Federal da Bahia
Se uma mulher, em país iorubá, dá a luz uma série de criancas natimortas
ou mortas em baixa idade, a tradicão reza que não se trata da vinda
ao mundo de várias criancas diferentes, mas de diversas aparicões do
mesmo ser maléfico chamado abíkú (nascer-morrer) que se julga vir ao
mundo por um breve momento para voltar ao país dos mortos, òrun (o
céu), várias vezes ( 1 1.
Ele passa assim seu tempo a ir e voltar do céu para o mundo sem jamais
permanecer aqui por muito tempo, para grande desespero de seus
pais, desejosos de ter numerosos filhos vivos, para assegurar a continuidade
da família sobre a terra.
Esta crenca se encontra entre os akan, (2) onde a mãe é chamada
awomawu (ela bota os filhos no mundo para a morte). Os ibo chamam os
abíkú deogbanje, os haucás de danwabi e os fanti, kossamah (3). Sua pre-
- senca entre os Mossi foi estudada por M. Houis (4).
Encontramos informacões a respeito dos àbikú em algumas histórias
(itan) de Ifá, sistema de advinhacão dos iorubá, praticada pelos babalaôs
(pai-do-segredo) que transmitem de geracão em geracão um enorme
"corpus" de histórias tradicionais, classificadas nos duzentos e cinqüenta
e seis odu ou sinaisde Ifá (5). Oito deste itan são dados no fim destes artigo,
nos seus textos originais iorubá, com a sua traducão para o português.
Estas histórias mostram que os abíkú ou eméré (112) (6) formam
sociedades no céu (egbé òrun), presididas por lyajansa (a mãe-se-bate-ecorre)
para os meninos (V 11 112 e 76) e olókó (chefe da reunião) para as
meninas (VI3 e V111/77), mas é Aláwaiyé (Rei de Awayé) (V11/17) que
as levou ao mundo pela primeira vez na sua cidade de Awaiyé (V11118).
Lá se encontra a floresta sagrada dos abikú (V11/44), aondé os pais de
ábíkú vão fazer oferendas para que eles fiquem no mundo (VI 1/45,52,54.).
Quando eles vêm do céu para a terra, os ahikú passam os limites do
céu diante do guardião da porta, o aduaneiro do céu onjbodé òrun (1/5),
seus companheiros vão com ele até o local onde eles se dizem até logo
(I 11/9). Os que partem declaram o tempo que tencionam ficar no mundo
e o que farão. Se prometem a seus companheiros que não ficarão ausentes,
essas criancas, apesar de todos os esforcos de seus pais, retornarão,
para encontrar seus amigos no céu (V/7,9).
Os abíkú podem ficar no mundo por períodos mais ou menos longos.
Um àbíkú menina chamada "A-morte-os-puniu" declara diante de
oníbodé òrun (116,161 que nada do que os seus pais facam será capaz de
retê-la no mundo, nem presentes em dinheiro, (117) nem roupas que Ihes
oferecam, (119) nem todas as coisas que eles gostariam de fazer por ela
(111 1) atrairiam os seus olhares nem lhe agradariam (1112).
Um àbíkú menino, chamado Ilere, diz que recusará todo alimento
(1117) e todas as coisas (11/10) que lhe queiram dar no mundo. Ele aceitará
tudo isto no céu.
Quando Aláwaiyé levou duzentos e oitenta ibíkú ao mundo pela primeira
vez, cada um deles tinha declarado, ao passar a barreira do céu, o
tempo que iria ficar no mundo (VI I 4, 10). Um deles se propunha a voltar
ao céu assim que tivesse visto sua mãe; (V11/10) um outro, que iria esperar
até o dia em que seus pais decidissem que ele se casasse (VI 111 1 );
um outro, que retornaria ao céu, quando seus pais concebessem um novo
filho (VI 1/15), um ainda não esperaria mais do que o dia em que comecasse
a andar (V11/16).
Outros prometem a lyàjanjasà, que está chefiando a sua sociedade
no céu (V 11 1/3), respectivamente, ficar no mundo sete dias, (V 1 1 111 9 ou
até o momento em que comecasse a andar (VI 11/23) ou quando ele comecasse
a se arrastar pelo chão (V I1 1/23), ou quando comecasse a ter dentes
(V111124) ou ficar em pé (V111125).
Nossas histórias de Ifá nos dizem que oferendas feitas com conhecimento
de causa são capazes de reter no mundo esses abíkú e de Ihes fazer
esquecer suas promessas de volta, rompendo assim o ciclo de suas
idas e vindas constantes entre o céu e a terra, porque, uma vez que o
tempo marcado para a volta já tenha passado, seus companheiros se
arriscam a perder o poder sobre eles.
E assim que nessas quatro histórias (I, I I I, I V e V) encontramos oferendas
que comportam um tronco de bananeira acompanhado de diversas
outras coisas. Um só dos casos narrados, o terceiro, explica a razão dessas
oferendas:
"Um caçador que estava à espreita ( 1 1 1/3), no cruzamento dos caminhos
dos abl'kú, escutou quais eram as promessas feitas por três abíkú
quanto a época do seu retorno ao céu.
"Um deles promete que deixará o mundo assim que o fogo utilizado
por sua mãe, para preparar sua papa de legumes, se apague por falta de
combustível (II1/11). O segundo esperará que o pano que sua mãe utilizar,
para carregá-lo nas costas se rasgue ( 1 1111 7). A terceia (porque é uma
rrienina abíkú) esperará, para morrer, o dia em que seus pais lhe digam
que é tempo dela se casar e ir morar com seu esposo ( 1 11/22).
"O cacador vai visitar as três mães no momento em que elas estão
dando a luz seus filhos abíkú (111126) e aconselha à primeira que não deixe
se queimar inteiramente a lenha sob o pote que cozinha os legumes
que ela prepara para seu filho ( 1 11/28); a segunda que não deixe se rasgar
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o pano que ela usar para carregar seu filho nas costas, que utilize um pano
de qualidade diferente (dos que se usam geralmente para este fim);
( 1 11/32); ele recomenda, enfim, a terceira, de não especificar, quando
chegar a hora, qual será o dia em que sua filha deverá ir para acasa do seu
marido (1 11/33).
As três mães vão, então, consultar a sorte, Ifá, que Ihes recomenda
que facam respectivamente as oferendas de um tronco de bananeira, de
uma cabra e de um galo, impedindo, por meio deste subterfúgio, que os
três ibíkú possam manter seu compromisso. Porque, se a primeira instala
um tronco de bananeira no fogo, destinado a cozinhar a papa do seu filho,
antes que ele se apague ( 1 11/43), o tronco de bananeira, cheio de seiva
e esponjoso, não pode queimar, e o abíkú, vendo uma acha de lenha
não consumida pelo fogo ( 1 1 1/47), diz que o momento de sua partida ainda
não é chegado. A pele de cabra oferecida pela segunda serve para reforcar
o pano que ela usa para levar seu filho nas costas ( 1 11/52); a crianca
àbíkú não vai achar nunca que esse pano se rasgou e não vai poder
manter sua promessa. Não se sabe bem o porque do oferecimento de um
galo, mas a história conta que, quando chegou a hora de dizer à filha já
uma moça, que ela deveria ir para a casa de seu marido (1 11/55), os pais
não lhe disseram nada e a enviaram bruscamente para casa dele.
Nossos três abíkú não podem mais manter a promessa que fizeram,
porque as circunstâncias que devem anunciar sua partida não se realizaram
tais como eles tinham previsto na sua declaração diante de oníbodé
bruna Estes três àbjkú não vão mais morrer. Eles seguiram um outro caminho
(I 11175,761.
Comentamos esta história com alguns detalhes porque ilustram bem
o mecanismo das oferendas e de sua funcão. ~ ã éo se u lado anedolíco
que nos interessa aquí, mas a tentativa de demonstração de que, em país
iorubá, a sorte pode ser modificada, numa certa medida, quando certos
segredos são conhecidos. No caso, as condicões nas quais os três abíkú
deixaram o mundo.
Esta noção sobre a importância de conhecer certos segredos é também
expressa na sétima história onde os abíkú combinam entre si, no
momento de sua chegada a Awayé (V11/18), preparar, cada um, quatro
vestimentas (de cor vermelha), assim como um lenço de cabeca e um boné
no valor de 1.400, cauris (búzios) para cada um. 0 s ab jkú declaram
que se alguém descobrir suas quizilas, quando eles chegarem ao mundo, e
o nome das vestes que eles combinaram fazer (V 11/22, 23), eles ficarão no
mundo.
E por isso que os babalaôs consultados (VI 1/34) prescrevem oferendas
desses objetos (V1 1/39, 41 1, a respeito dos quais os abíkú fizeram
uma combinacão (VI 1/42).
Essas oferendas são penduradas nas árvores da floresta sagrada dos
Ãbíku em Awaiyé (V1 1/46), acompanhadas de pratos de alimentos e doces
(V 11/52).
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Estas cerimônias serão feitas todos os anos pelos pais (V11/55), e
eles dancarão ao som dos tambores, cantando cancões onde falam du
"Camwood, da cor das roupas vermelhas feitas pelos ablkú, de lenços e
de bonés no valor de 1.400 caurís (búzios) cada um, afirmando, asssim,
ter conhecimento do pacto feito pelos àb&ú quando chegaram em
Awaiyé, e do seu compromisso de ficar no mundo, se os pais viessem a
saber da sua convenção. Nenhum abíkú, cujos pais fizeram estas cerimrinias,
deixará o mundo (V11168, 69) (7).
Tais oferendas são, com efeito, uma forma de expressão sem acompanhamento
de palavras articuladas; o discurso é substituído pela apresentacão
dos objetos testemunhas, provando que a oferenda conhece os
segredos, fazendo-o assim participar do pacto dos abíkú.
Entre as oferendasque os retêm aqui, em baixo, figuram, em primeiro
plano, as plantas litúrgicas. Cinco dentreelas são citadas nestas histórias:
Abíríkolo (Crotalaria lachnophera A. Rich, Papilionacaae).
Agídímagbayin (não identificada).
ldí (Terminalia ivorensis, A. Chev, Combretacae).
lja agborh (não identificada).
Lara pupa (R icinus communis Linn, Euphorbiaceae).
Citemos ainda duas plantas frequentemente utilizadas para reter os
abíkú e que não figuram nessas histórias:
Olobotuje (Jatropha curcas - LINN Euphorbiaceae).
Opá eméré (Waltheria americana LI NN, Sterculiaceae).
A oferta destas folhas constitui uma espécie de mensagem e é acompanhada
por encantamentos (ofó); os textos de algumas delas figuram
nos textos apresentados no fim deste artigo.
Resumamos aqui:
Ewé abíríkolo, insinkú òrun e pèhinda (Vl51, 53)
Folhas d'abiríkolo, coveiro do céu, voltai.
Ewé agidl'magbayin, Olorun máa ti 'kun, a o kú mó (I V121, 23)
Folha de agidímagbayin Olorum fecha a porta (do céu) para que não
morramos mais.
Ewé id í I'ori ki onà òrun tèmi o dí (V1126)
Folhas de idl: dizei que o caminho do céu está fechado para mim.
Ewé ijá agbonrín, não ande pelo longo caminho que conduz ao céu.
Ewé lara pupa ni osún awón àbíkú. (V1133, 34)
A folha de lara vermelha pe o cânhamo dos abíkú.
Olobotuje má jé ki mi bí àbíkú omo
olobotujé &b 17-teiKe parir filhos àbíkú
opá eméré ki pé t í f i kú, yio máa eu ni, nwon ni, nwon bá ríòpá eméré
Vara de eméré não os deixe morrer, isto Ihes agrada, ver a vara de eméré.
Notar-se-ão as açsociacões de som que intervêm em algumas dessas
f0rrnulas de encantamento tais como a última sílaba de ljá agbonrín e o
verbo rlh idl' é do mesmo modo associada ao verbo dí, fecha (o carninho
do céu), além disso, esta história faz parte do signo Òdíméji onde se
reencontra a mesma sílaba atuante; para a folha lara pupa, um jogo de
palavras é feito entre o nome da folha lara e l'ara, o corpo (da criança).
Em país iorubá, os pais, para proteger seus filhos àbíkú e tenta; retê-
los no mundo, podem se dedicar a certas práticas, tais como fazer incisões
(cortes) nas juntas da criança (VI 111 4) e aí esfregar um pó preto, feito
de folhas litúrgicas, queimadas para esse fim, ou ainda ligar à cintura
da criança um 6ndè (V1/20, 21 ), talismã feito desse mesmo pó negro,
contido num saquinho de couro.
A ação protetora buscada nas folhas, expressa nas fórmulas de encantamento,
é introduzida no corpo da criança por incisões e fricções, e
a parte do pó preto, contida no saquinho do òndè, representa uma mensagem
não verbal, uma espécie de apoio material e permanente da mensagem
dirigida pelos elementos protetores contra os elementos hostís, sendo
essa forma de expressão menos efêmera do que a palavra (8).
No canto da oitava história, são feitas alusões aos xaorôs, anéis providos
de guizo, usados nos tronozelos pelas crianças abikú, para afastar
os companheiros que tentam vir buscá-los (9) no mundo e lembrar-lhes
suas promessas (V I I 1/57, 64 I.
De fato, seus companheiros não aceitam assim tão facilmente a falt
a de palavra dos abíkú, retidos no mundo pelas oferendas, encantamentos
e talismãs preparados pelos pais, de acordo com o conselho dos babalaôs.
0 s membros da sociedade dos àbíkú, egbé ará òrun, vêm do céu residir
nos lugares pantanosos ( 1 1/28) ou nos regatos ( 1 1/46, V/20), donde
chamam as crianças que querem ficar no mundo. Vão também ao pé dos
muros (11/47), lá onde vão esvaziar as sujeiras (11148). Ficam nas salas onde
as pessoas se lavam (balùwe) no fundo das casas (I11/63), que são lugares
frescos, onde é enterrado iwo, a placenta dos recém-nascidos, colocadas
num vaso isásun, coberto de folhas de palmeira desfiadas, chamadas
mariwó e caurís (búzios). Isso se chama orisun, a arigem da criança, e
esse lugar é saudado com a seguinte frase: Baluwe, nlé o, o tó omo, at'idí
jegbin omc tuntun Olá, sala de banho, fonte de origem da criança, come
as sujeiras da criança recém-nascida), fórmula que, por um curioso resumo,
associa as noções de especulações mui respeitáveis sobre a origem
dos seres humanos às das funções orgânicas.
Nem sempre essas precauções e oferendas são suficientes para reter
as criancas abíkú sobre a terra. lyájanjasa é muitas vezes mais forte.
Ela não deixa agir o que as pessoas fazem para os reter (V I1 1/46, 47) e porá
a perder tudo o que as pessoas tiverem preparado (V11 1/48, 49). Contra
os ab/kú não há remédios. lyájanjasá os atrairá a forca para o céu
(V111/35, 69). Os corpos dos abíkú que morrem assim, são frequentemente
mutilados, a fim de que, dizem, eles percam seus atrativ.0~ e seus
companheiros no céu não queiram brincar com eles sobretudo para que
o espírito do àbíkú, maltratado deste modo, não deseje maisvir ao mundo.
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Essas criancas abíkú recebem no seu nascimento, nomes particulares.
Damos no fim deste artigo uma relacão de alguns desses nomes acompanhados
de suas saudacões tradicionais. Eles podem ser classificados:
quer nomes que estabelecem sua condicão de abíkú (6, 7, 8, 18,36,
38); quer em nomes que Ihes aconselham ou Ihes suplicam que permaneçam
no mundo (2, 9, 11, 13, 14, 16, 17, 23,25, 26, 32, 33, 34, 30);quer
em indicacões de que as condicões para que o abikú volte não são favoráveis
(20, 21, 22, 27, 28, 29, 37, 39, 42); quer em promessas de bom tratamen
to, caso eles fiquem no mundo (5, 12, 15).
A freqüência com que se encontra, em país iorubá, esses nomes em
adultos ou velhilhos que gozam boa saúde, mostra que muitos abikú ficam
no mundo gracas, pensam as almas piedosas, a todas essas precauções,
à acão de Orúnmilà, e a intervenção dos babalaôs.
NOMES DADOS AOS ÃBíKÚ
Aiyédun - A vida é doce (NT)
Aiyédun, a vida é doce, venha conhecer nossa sociedade
Aiyélagbe - Nós ficamos no mundo
A iyélagbe, não parta, não se vá
A já - Cão
Cão, não quebre a corda, perdão, não se va
Ajéigbe - A riqueza não está perdida
Ajéigbe vai chegar, a riqueza não se perderá
Aklsatán - Não se usarão mais farrapos
Aklsatán eu não verei mais amarrar as roupas, Akísàtán não parta
mais
Akújí- O que está morto, desperta
Akúji, faca sortes de prestidigitacão
Apara O que frequenta minha casa
Apara, não fique indo e voltando
Aybrunbò - Vá ao céu e volte
Ayorunbo crianca que cobre o corpo de terra
Bánjókó - senta-se comigo
Bánjókó, senta-se, repousa
Dúróddlú - Espera o Senhor
Dúródólú, teu senhor está a caminho
Dúrójaiyé Fica para gozar a vida
Fica para gozar tua vida, fica ainda, Durojaiyé
Dúrdorlike - Fica, tu serás mimada (nome para uma menina àbíkú)
Fica, tu serás muito mimada neste mundo, Obróoríké
Dúrósnm í - Fica, para me enterrar
Fica, para me enterra, não durmas em vão, Dúrósihmi
Dúrósomo - Fica, para fazer filhos
Fica para fazer filhos no mundo, não faça filhos no céu Dúrósomo
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Dúrótoye - Fica para receber um título honorífico
Fica, para receber um título, não vá ao céu de tarde
Dúrówòjú - Fica para olhar nos meus olhos
Fica, para olhar nos olhos de teu pai e tua mãe, Dúrówòjú
Ebelokú - Suplica para que fique
Suplica para que fique, suplicante está a criança, Èbelokú
Enílolobò - Alguém que partiu, volta
Alguém que partiu, volta, alguém semelhante chega
Enúnkúnoníipe - O que consola está cansado de oferecer condolências,
iso o cansa Enúnkúnonjipe
lgbéko yl'j - O mato recusou este aqu i,
igbékoyií, o mato recuspu mesmo este aqui'
I kúfor~/ in- A morte perdoou
Meu lkúforoin, tua cabeça não vai mais morrer
Ilètán - A terra acabou (não há mais terra para enterrá-lo)
A terra acabou, não vemos mais possibilidade de enterrá-lo
Jéaríobé - Deixa-nos pedir-te
Deixa-nos pedirte, se te pedimos que nos escute, Jéaríobé
Kíké - Indulgente
A crianca é indulgente, Ki ké
Kòjékú - Não consinta em morrer
Não consinta em morrer, nós o prendemos na terra
Kòkúmó - Não morra mais
Kòkúmó, oh filho do segredo!, não morra mais, fique sobre a terra
Kòníbírè - Não há mais lugar para ir (fora deste mundo)
Kòníbíre não vê lugar para ir
Kèsílè - Não há terra (onde enterrar)
Não há terra, não vemos mais possibilidade de lhe enterrar, Kosjle
Kòsókó - Não há enxada (para cavar o túmulo)
Não morra, não há enxada para cavar a terra Kòsókó
Kúmápdy i i - A morte não leva este daqui
Kumápáyl'í que bebe água na cabeça dos mortos, se ele a usa, a
batalha será hoje mesmo
Kúti - Ele não está totalmente morto
A morte empurra para o mundo, não vá para o céu, morte, empurre
para o mundo
Mákú - Não morra
Não morra, mulher do babalaô, Mákú não morra
Malomó - Não te vás mais
Não te vas mais, retorna, Málomò
Mátanmi - Não me decepciones
Eu terei notícias tuas, não me decepciones, eu terei tuas notícias,
não partas
Obísèsan - Nascido para a vingança
Obísèsan vem fazer a vinganca do bem para o mundo
36 Okúsèhíndé - O cadáver volta
37 Orúkotán - O nome acabou
Orúkotán, seu último nascido, Orukotán
38 Omotúndé - A crianca voltou
A crianca voltou,. ela não será mais Àbl'kú, Ornotúnde
39 Orunkún - O céu está cheio
O céu está cheio, não te vás mais, Orunkún não te vás mais, ele ficou
40 Rótimi - suporta-me
Rótimi boa vinda, bom filho, Rótimi boa vinda
41 Tanímòwò - Quem sabe cuidar dele?
Quem sabe cuidar dele, se não o senhor, Tanlmòwò?
42 Tijúikú - Envergonhado da morte
Tijúikú não deixa a morte te matar
É PRECISO CUIDAR DOS ABli<Ú, SENÃO ELES VOLTAM PARA
ri, cíu
A morte não deixa a criancinha ser forte
Fl.!i~eraisn ão deixam ernerè ficar velho
Ifá foi consultado para "A-morre-os-puniu" (nome do abíkú)
qur 6 filha de funerais
5 Quando "A-mori-e--os-puniu" cheça ao mundo, e!a vai perto do
gi13rdião da porta
El? diz, ela vai ao mundo
Ela diz qiit! mesmo vocês (meus pais) lhe dessem dinheiro
Ela diz qbz nSo olhará para trás (não ficará)
Ela diz que !mesmo) que eles quisessem lhe dar vestidos
10 I I?toi não 3trairá OS seus olhares
Ela diz que se eles fizessem coisas para ela
Ela ciiz (isto! nao lhe agradar-ia
Ela diz que todss :I.< coisas cylie fizeram para ela completamente
Ela diz que, simplesmente, o5 jogará fora
15 Ela diz que o dinheiro que eles quiserem gastar
Ela diz que será dinheiro perdido
O guardião da porta diz, nPo é bem assim
Há! diz ela, é assim que ela vai fazer
Ele diz, entãù está bem
20 Ele diz, quando voc? vai voltar?
Ela diz que no momento em que ela agradar a todos (seus pais)
Ele (áb/kC) r a trairá para o céu
No momento em que eles (seus pais) fizerem coisas para ela
Ela diz, neste momento ela voltará
145
O guardião da porta diz, está bem então
Quando "A-morte-os-puniu" chega ao mundo
Sua mãe toma dois e aí junta três (ela consulta Ifá)
Esta menina poderá ficar com ela?
Eles (os babalaôs) mandam que ela faca oferendas para esta crianca
Eles dizem, ela e um abfiú verdadeiro
Eles dizem, ela se chama "A-morte-os-puniu" (lkú-;é-nwon-niya)
Eles dizem, faca rapidamente oferendas para ela
Eles dizem que e'sta menina não.será capaz de deixar o mundo
Eles dizem que ela pegue um galo
Eles dizem que ela pegue um bode
Eles dizem que ela tenha um tronco de bananeira
Eles dizem que ela tenha uma folha de abíríkoío
Sua mães grita hurra! nada acontecerá a esta menina
Eles dizem que ela pegue um bode
Eles dizem que ela pegue um tronco de bananeira
Eles dizem que ela pegue uma folha de agidimagbayin
Eles dizem que ela pegue uma folha de abirikolo
Sua mãe grita hurra! nada acontecerá a esta menina
Quando esta crianca chega na idade
Quando ela chega na idade de ir a casa de seu marido
Acontece que esta menina pensa repentinamente
Quando ela pensa repentinamente, ela fica com dor de cabeca
Antes do cair da noite, ela tem dores no ventre
Antes da aurora "A-morte-os-puniu" vai morrer
Sua mãe vem gritar, ela diz ah!
Ela diz, assim os babalaôs disseram
A morte não deixa a criancinha ficar forte
Funerais não deixam eméré ficar velha
Ifá é consu Itado para "A-morte-os-pu niu"
Que é filha de funerais
Ela diz, seu olho a faz olhar aqui e lá
Ela diz, seu olho está brilhando (de lágrimas)
Ela diz, seu rosto está coberto d'água, ela chora
E assim que (quando) esses abfiú vêm ao mundo
(E) vão dar adeus diante do guardião da porta
Eles dizem que esta pessoa fará qualquer coisa para eles
Eles não serão capazes de ficar quando chegar a hora
Em que as pessoas cuidem bem deles
Porque quando as pessoas são atraídos por eles (gostam deles)
Neste momento, eles querem deixar as pessoas.
OFERENDAS PODEM RETER ABÍKU NO MUNDO
A dificuldade atinge repentinamente alguém
A desgraca sobre alguém
Ifá é consultado para llere
Que é o filho de O b i r ~ nab ata (mulher pântano)
5 llere diz que vai ao mundo
Diz que se ele chegar ao mundo
Diz que toda a comida que lhe derem
Ele diz, ele não a comerá
Ele diz, (esta) dádiva ele a comerá no céu
10 Ele diz, todas as coisas que quiserem lhe dar
Diz que não as aceitará
Ele diz, (estes presentes) no céu ele os aceitará
Diz que não há coisas que o possam reter
Quando ele chegar no mundo
15 Esta crianca é capaz de não morrer assim?
Ha! Dizem, eles (os pais) farão uma oferenda, ele não vai morrer
Eles dizem, a menos que eles não tenham um vaso novo
Eles dizem que eles tenham todas as coisas que a boca come
Que eles tenham um tecido vermelho
20 Eles dizem, que ele tenha uma tampa de panela, cânhamo (osum),
sabão, esponja
Eles dizem quando eles tiverem oferecido tudo isso
Eles dizem que o colocarão rio abaixo
Eles dizem que lá estão seus companheiros que o vão chamar e
matar
Eles dizem, é lá que eles vão ficar
25 Quando eles tiverem prontos, trarão as coisas para oferecer
Quando eles trouxerem estas oferendas
Seus companheiros o esperarão e não o verão chegar
Eles irão ao local pantanoso
No lugar onde se reúnem para se dizer adeus
30 Eles comecarão a chamá-lo
Eles chamarão llere, Ô llere Ô -
Para que eles Ihes responda
Ele diz, assim os babalaos disseram
A dificuldade encontra alguém de repente
35 A desgraca cai sobre alguém
Ifá é consultado para llere
Que é filho de Obl'rin abatá
Ele diz, quem chama Ilere
Ele tem bracos fortes, pés fortes
40 Eles ouvem, eles dizem ah!
Seus companheiros não vêm ainda
Eles voltam
Sua fam il ia fez oferendas
Ele não vai morrer
45 Se é um àb/kú
Motivo pelo qual esses abíkú vão ao riacho
Ou olham o muro
Ou vão ao monte de estrume
Se os àb;kú chegam
58 (e) dizem que têm dor de cabeca
Seus companheiros vêm pegá-lo
(Mas) Aqueles para quem foram feitas as oferendas
Não abandonarão mais as pessoas
SUBTERFÜGIOS PARA RETER OS ABIXÜ NO MUNDO
Osé Omolu oh! a crianca tem um segredo
Ifá é consultado pelo cacador que está à espreita
Que está à espreita na encruzilhada dos caminhos de àbíkú
Eles (os babalaôs) dizem, tu que estás à espreita
5 Eles dizem, teu olho verá muitas coisas hoje
Quando o cacador que está de tocaia no mato
Ele vê três (àbíkú) vindo ao mundo
Quando eles vêm ao mundo
Eles comecam por dar adeus diante do guardião da porta
10 Um diz que vai assim ao mundo
Diz que a lenha que seus parentes usarem
(para preparar sua papa (de legumes)
Ele diz que no dia em que ela acabar de queimar
Ele diz, neste dia ele voltará, voltará para o céu
O guarda da porta diz que entendeu
15 O segundo (àbíkú) aparece lá e diz adeus
Diz que vai assim ao mundo
Diz que o tecido que (sua mãe) utilizar para carregar as costas
Ele diz no dia em que este pano estiver estragado
Ele diz neste dia ele voltará para o céu
20 A terceira (àbíkú) chega lá
Ela diz que vai assim ao mundo
Ela diz que no dia em que seus ais lhe disserem para ir a casa do
seu marido
Ela diz neste dia ela voltará para o céu
Quando o cacador retorna a sua casa
25 Ele fica sabendo que estes três (abíkú) nasceram em suas casas
Ele vai visitar as três mães
Diz a primeira, tu que puseste um menino no mundo
Ele diz, não deixes que a lenha debaixo da panela da papa de legumes
de seu filho, se queime completamete
(Senão) esta crianca vai morrer
30 Diz, tu que deste a luz a segunda
Ele diz, o pano que usares para levá-lo nas costas
Ele diz, não deixes que se rasgue, usa um diferente (dos outros)
(Senão) esta crianca vai morrer
Ele diz tu que pariste a terceira
35 Ele diz, se é tempo de levar tua filha para o marido
Ele diz não te arrisques a indicar o dia, e dizer que neste dia tu a levarás
a casa do seu marido
(assim) esta crianca será capaz de ficar no mundo
As três mães dizem que entenderam
Elas consultam Ifá
40 Quando elas chegarn jbnto do babalaô
Eles encontram (o si&..l) Osé omolu
Eles (os babalaôs) dizem que elas tenham um tronco de babaneira
Eles dizem que elas tenham uma cabra como oferenda
Eles dizem que elas tenham também urn galo
45 Eles dizem quando elas tiveram aceso o fogo sob a panela que cozinha
Eles dizem, se o fogo quker morrer, que elas juntem um tronco de
bananeira
Quando o ábjku olhar oembaixo da panela, um acha
Ah! diz ele, o fogo não está quente
Elas fazem assim (continuamente)
50 Esta crianca não vai mais morrer
Eles dizem que elas arranquem a pele de uma cabra
Eles dizem que elas costurem sobre o pano que a mãe usa para levar
o filho nas costas
Quando chegar a hora (do abíku) dizer se o pano está estragado, ele
voltará para o céu
Quando ele olha o pano atrás, ele não esta rasgado ( e não tem furos)
55 Ele diz que a hora ainda não chegou
Esta crianca não vai mais morrer
Quando é chegado o momento de dizer que é tempo de ir à casa do
marido (e) de morrer
Nesta hora, seus pais não lhe dizem nada
Um dia eles a tomam bruscamente e a levam (para a casa do marido)
149
60 Ela não vai mais morrer
Ela diz Ah! Eles seguiram outro caminho
Quando seus companheiros (abíkú) os esperam assim (e) não os
vêem chegar
Seus comoanheiros (abiku) vêm ficar atrás da casa
Eles os chamam
65 Eles os chamam todos os dias
Estes três (abikú) vêm responder a seus companheiros
Eles choram para voltar para junto deles
(Canto1
0sé omolu oh! a criança tem um segredi
Vocês dizem a lenha não se queimou, oh! a criança tem um segredo
Osé omolu ah! a criança tem um segredo
Vocês dizem, o pano não se rasgou, oh! a criança tem um segredo
Òsé omolu, oh! a crianda tem um segredo
Vocês dizem que levam a criança à casa do marido, oh! a crianca
tem um segredo
Osé omolu, ah! a criança tem um segredo
(fim do canto)
Estes três ibíkú não vão mais morrer
Eles seguiram outro caminho
MOSETAN FICA NO MUNDO
Levanta-te, levanta-te beleza, levanta-te
lfá foi consultado para Mosétán (eu acabei 1
Que é a filha de Blóje Okoso
Eles (os babalaôs) dizem que Mosetan venha fazer oferendas
5 Dizem que seus compant-+eiras que ela vê em sonhos
Que eles não sejam capazes de aprender fora do mundo
Eles dizem que ela pegue um tronco de bananeira
Dizem que ela pegue uma das suas tangas
Eles dizem que ela pegue um galo
10 Eles (os pais) fazem a oferenda
Quando eles fazem a oferenda, eles colhem as folhas de Ifá (agídímagbayin
1
Quando acabam de colher, eles vão com seu tronco de bananeira
Com sua tanga, com as folhas de Ifá
Ela não vai mais morrer
15 Ela não verá mais as coisas más
Eles dizem assim dizem os babalaôs
Levanta-te, levanta-te beleza, levanta-te
Ifá foi consultado para Mosetán
Que é a filha de Olojé Okosó
20 Crianca que recebe pedacinhos (de comida) na boca
Olorum fecha a porta (para) que não morramos ma.iç
A mão (encontra) as folhas de agídímagbayin
Olorum fecha a porta para que não morramos
Assim fala Ifá
25 Ifá diz que a crianca vê coisas más em sonhos
Que a crianqa chama seus companheiros (abíkú)
Que els não serão mais capazes de prendê-la (fora do mundo)
Òtua tem um segredo, talvez ele seja ativo
Ifá é consultado para Olóiko
Que é o chefe da sociedade (dos abíkú) no céu
Que do céu parte para o mundo
5 Quando Olbikb se vai, os abjkú dizem assim:
Tu Olóikò que partes assim, não fiques muito tempo (ausente)
Se eles lhe promete que não ficará muito tempo (ausente)
Quando chegar a hora, (ainda que) os pais tenham feito muitas oferendas
para que eles fiquem
Estas crianças não escutam. Elas se vão
10 Estes seres são chamados Abíkú
Quando Olóiko se vai
Eles, (os abíkú) dizem, tu Olóiko
Eles dizem, tu partes assim
Dizem, esta é a tua cadeira
15 Dizem, ninguém (além de ti) pode se sentar nela
Ele (Olóiko) diz, ele se vai
Eles dizem que quando chegar ao mundo
Dizem que não se esqueca deles
Quando ele chegou ao mundo, ele os esqueceu
20 Seus companheiros chegam a beira do regato
Eles chamam Olóiká, Olóiko, Olóiko
Olóiko escuta, (mas) não responde
Os pais de Olóiko correm a procura dos babalaôs
Eles dizem que Ifá os ajude
25 (Que) este Olóiko não seja capaz de morrer
Seus companheiros o chamaram, que ele não seja capaz de encontrá-
los
Eles (os babalaôs) dizem que sua cadeira está no meio de seus compan
heiros
Dizem, porque os pais tomam cuidado ele não vai morrer
Eles mandam que façam oferendas
151
30 Dizem que (eles dêem) um tronco de bananeira
Dizem que (eles dêem) um pombo
Dizem que (eles dêem) todas as coisas que a boca come
Dizem (que eles dêem) 1200 caurís (búzios)
Dizem que preparem um pano branco
35 Quando eles acabam de preparar, pegam todas as coisas e as amarram
juntas
Amarram estas oferendas como se fossem para funerais
Eles procuram um lugar perto do rio onde enterram as oferendas
Quando eles acabam de enterrar
0 s companheiros de Olóiko chegam pertinho
40 Como eles ficam ali perto
(e) vêem que trazem uma oferenda
(e) que cavam a terra e ali enterram (alguma coisa) como um caixão
de defunto
Quando acabam de enterrar
0 s companheiros de Olóiko chamam de novo : Olóiko, Olóikó, Olóikó
45 Os pais de Olóiko vão consultar Ifá para ele
Eles vão colher folhas de ablí-íkolo como oferendas
Quando eles acabam de colher as folhas
Eles esfregam todo o corpo (de Olóiko) com elas
Quando o corpo está completamente esfregado
0 s pais comecarn a cantar assim
"Porteiros do céu, voltai
FOI ha de ablí-íkolo)
Porteiros do céu, voltai"
Quando os porteiros do cé ouvem o canto que eles cantaram neste
dia
Que afasta as pessoas de sua sociedade do seu corpo (de Olóiko)
Porque se abíkú vem
Se (as pessoas) lhe fazem oferendas
Ãbíkú não tem mais (nenhuma chance de ir (para o céu)
ASEJEJEJAIYÉ FICA NO MUNDO NA DECIMA SEXTA VEZ QUE
ELE VEM
Ifá foi consu Itado para Òrunnmila por causa de seu filho Asejéjejaiyé
(E) a partir de Asejéjejaié que Orunmild prende ab;kÚ no mundo
No Odu de Ifá, Òdí meji
Asejéjejaiyé é o nome da crianca que Orunmila, que teve naquele
tempo
5 Ele, causa muitos aborrecimentos a Orunrnila, porque é a décima
sexta vez que vem ao mundo e morre
E então que Òrunnmila descobre suas manhas
Este Asejéjejaiyé chegou pela décima sexta vez
Òrunmila diz. Ah! este ó décimo sexto
152
Esta crianca não deve ser capaz de ir assim
10 Eles (os babalaòs) dizem que Òrunrnila prepare a folha idi e tudo
O mais
Eles dizem que Orunmílà queime tudo
Depois que Orunnmila queimou (para reduzir a um pó preto)
Eles dizem que Òrunmilà faca incisões nas juntas do corpo (de
A seJéjeja y ié
15 Que faca também incisões no seu rosto
Õrúminnla faz as incisões e (esfrega o pó)
Quando Orunmilà acaba de fazer as incisões
Eles dizem, esta crianca não conhece mais o caminho do céu (da
morte)
Dizem que ele pegue o resto (do pó negro)
20 Dizem que com ele confeccione um óndè (talismã)
Dizem que o amarrem a cintura da crianca
Dizem, ele não é mais capaz de partir
Dizem, o caminho do céu não foi feito para ele
Como eles colheram esta folha neste dia, eles dizem
25 A folha id/diz que o caminho do céu está fechado para esta pessoa
A folha idídiz que o caminho do céu está fechado para mim
Que eu não morra em minha juventude
A folha de iJá agbonrín não caminha ao longo do caminho que leva
ao céu
Que eu não morra, que eu não siga o caminho do céu na minha juventude
30 A folha de ija agbonrin não caminha ao longo do caminho que leva
ao céu
Eles dizem, não siga, pois o caminho do céu na sua juventude
A folha /ara pupa é o "cânhamo" (osun) dos ab/'kÚ
A crianca que esfrega seu corpo com a folha de /ara pupa não volta
para o céu
Ele (Òrúnmllá) diz que esfregou o corpo do seu filho com a folha
( Ia ra
35 Diz, e quando ele crescer
e quando se tornar um adolescente
e quando ele for pai
Ele diz, ele não vai morrer na sua juventude
Nós pronunciaremos esse encantamento assim
40 Se alguém era abikú que vai e vem, que vai e vem
Se nós pudermos fazer incisões (sobre seu corpo e esfregar nelas o
pó preto)
Se nós confeccionarmos um Ònde que predemos a sua cintura
O caminho do céu ficara então fechado (para esta crianca) neste
tempo
OSÃBíKU CHEGAM AO MLJNBQ PELA PRIMEIRAVEZ EM AWAIYÉ
Mato pequeno, mato pequeno
Escuridão escura
Quem conhece o trabalho da escuridão não procura atrapalhar a lua
Ifá foi consultado para Aláwaiyé que vem do céu ao mundo
5 Que leva 280 abikú para a terra
Quando Aláwaiyé chega
Ele é o chefe dos abikú no céu
Ele chama então os abjkú para que venham
Quando eles chegam na barreira do céu
10 Cada um declara o tempo que vai ficar (no mundo)
Um diz que, assim que ele tiver visto sua mãe, ele voltará
O outro que, no momento em que marcarem o dia do seu casamento,
ele voltará
Uma outra que, quando tiver posto um filho no mundo, ela voltará
Outro diz que', qùando tiver sonstruído uma casa, ele voltará
15 Outro diz que, quando seus pais conceberem de novo, ele voltará
Um outro que, quando comecar a andar, ele voltará
Quando eles chegam, Aláwaiyé está no comando dos ab;kú
Quando eles chegam, vão primeiro a Awaiyé
Eles dizem que farão, cada um, quatro vestimentas (cor de)
Eles dizem que prepararão um lenco de cabeca (do valor de) 1400
caurís
Dizem que preparam um boné (do valor) de 1400 caurís
Eles dizem que, se alguém conhecer suas proibicões quando eles
chegarem ao mundo
Se alguém conhecer o nome das vestimentas que eles combinaram
fazer
25 Eles dizem, se sua mãe soubesse das coisas combinadas
Eles dizem, eles ficariam perto dela
Eles dizem, se seu pai soubesse, eles ficariam perto dele
Quando eles chegam a Awaiyé
Alawaiyé firmemente os leva ao mundo
30 Ele vai a primeira vez, ele se vai de novo
Ele vai a segunda vez, ele se vai de novo
Ele vai a quarta, quinta, sexta vez,
Quando chega a sétima vez
A gente de Awaiyé vai consultar o babalaô
35 Seu filho será capaz de não ir mais?
Se alguém dá nascimento a um abikú
154
Se ele quer prendê-lo de tal modo
Que ele não queira mais partir de novo
Que prepare um lenco de cabeca (no valor de) 1400 caurís
40 Que prepare um boné (no valor) de 1400 caurís
Que prepare também um tecido (cor de) osun
(estes são os objetos sobre os quais eles (os àbíkús) fizeram uma
combinacão
Eles fazem uma roupa para ele (ablkú) neste pano (vermelho)
Eles têm uma floresta para si'em Awaiyé
45 Lá eles oferecem tudo
Dizem que ele (o pai ou a mãe) vá pendurá-Ia numa arvore na floresta
dos abíkú
Quando eles terminam de pendurar
Dizem todos a suas mães e seus pais
Que facam uma cerimônia para eles
50 Que dancem para eles
Que batam tambores para eles
Que preparem ekeru, akara, òlè, cana de acúcar, amendoins, doces
Que preparem esponjas e sabão
Que preparem todos os tipos de legumes
55 Eles dizem, se quiserem fazer isso todos os anos
Dizem que eles não partirão mais
Quando eles voltarem, eles dancarão aqui e lá
Terão tambores iyá dundún
Eles cantarão
60 "Esfreguemo-nos de Osun para o chefe da sociedade
Lenco na cabeca (do valor de ) 1400 caur is
Esfreguemo-nos de Osun para o chefe da sociedade
Boné (no valor dei 1400 caurís
Esfreguemo-nos de "Osun" para o chefe da sociedade
65 Esfreguemo-nos de "Osun" para Aláwaiyé
Esfreguemo-nos de "Osun" para o chefe da sociedade
Dancarão suas dancas
Eles dizem, se suas mães e seus pais fazem a cerimônia
Eles dizem, nenhum dos que são abl'kú não os deixará no mundo
IYAJANJASA NÃO DEIXA OS ÃBÍKÚ FICAR NO MUNDO
Guizos pequenos
Há muitos guizos pequenos
Ifá foi consultado para fya;an;isá que chefia a sociedade (dos abtkú
no céu)
155
Quando eles se reúnem (e) ela está chefiando a sociedade
Se estes ab/kú vão e vêm
Eles entregam sua mensagem a iyájanjasá
Se eles se vão, eles lhe dizem onde vão
Quando chegam eles dizem também a lyájanjasá
No momento exato em que ryájanjàsá
No momento exato em que iyájanjasá vem ao mundo
Eles dizem, tu és nosso rei (rainha)
Dizem que são os filhos de sua sociedade
Eles dizem, não permitem que ela venha ao mundo
Eles dizem, porque se ela vai ao mundo
Eles dizem, eles não encontrarão mais a quem entregar suas mensagens
Eles dizem, por isso iyájanjisá não irá ao mundo
iyájanjasá diz não faz mal
Diz que todos os que quiserem ir ao mundo, vão ao mundo
Diz que todas as criancas da sociedade vão ao mundo
O que quiser ficar sete dias no mundo,
Que diga que, no sétimo dia em que o tenham posto no mundo
Ele virá entregar uma mensagem a ti, a ti iyájanjasá
Ele virá entregar uma mensagem a ti, a ti li/ájanjasá
O que chame no momento em que for andar
O que chama no momento em que for engatinhar
Aquele que diz no momento em que for ter den$es
Aquele que diz no momento em que se puser em pé
Que ele venha entregar a mensagem a lyájanjasá
Eles prometerão, todos, assim,
No local em que iyájanjàsá está na sua chefia
Quando eles tiverem feito sua promessa a iyájanjasá
Eles farão as coisas que eles tenham determinado assim
Se o tempo é quase chegado
Que seu rei os espera
(e) ele não os vê ainda (chegar)
lj/ájanjasá usará de truques para os procurar
Eles também a procuram
iyájanjasá atrai estes ab /kú ao céu
O que disser que nãoencontra o caminho (do céu)
lj.4janjasá o ajudará (a encontrá-lo)
O que disser que não quer vir
Que as pessoas da terra consultaram Òrúnmila
E (que ele) os ajuda para que fique
iyájanjasá é perturbada por Òrúnmila
a respeito das criancas de sua sociedade que vão ao mundo
O que lhe prometeu voltar para junto dela
45 Que não vem mais, ela o tomará a forca
Todas as coisas que as pessoas fizerem para ele
Ela não as deixa agir
Todas as coisas que as pessoas fizeram para ab;kú
iyájanjasá as estraga
50 Eles dizem que contra abl'kú não há remédio
Porque todas as coisas que quiserem fazer para lhe agradar (ao abjkú)
lyijanjasá as estragará
Quando lyálanjasá os procurar aqui e acolá
Este filho da sociedade quer ir para o céu
55 Ele procura também iyájanjasá
Eles cantam esta cancão:
"iyájanjasá, pequenos guizos
Há muitos guizos pequenos
Eu busco minha sociedade (e) vou a Ofa, pequenos guizos
60 Há muito guizos pequenos
Eu busco minha sociedade (e) vou a Or9, pequenos guizos
Há muitos guizos pequenos
/Yájanjasá pequenos guizos
Há muitos guizos pequenos"
65 Quando tiverem cantado assim
Esta crianca, que é membro da sociedade dos abjkú
Que não encontrou, rapidamente, o caminho (do céu)
Virá cantar, dizer que
iyájanjasá a ajude a chegar ao céu
70 No lugar onde lyájanjasá gosta de ficar
Se ela puder ouvir este canto
Ele virá logo, correndo
Ela buscará, então, um meio de ajudar,
O filho de sua sociedade a encontrá-la no céu
75 Dizem que (contra) abíkú não há remédio
1-yá~anjaseás ta na frente da sociedade dos ibl'kú machos
Qloikó está na frente das abl'kú fêmeas
Se vides que uma crianca macho ganha idade
E que morre no momento de se casar, é pelo poder de lj/ájanjdSá
Tal é a história de iyájanjasá que chefia sua sociedade
e de como ela ajuda as criancas de sua sociedade (e) as atrai para o
céu
E (de ela estraga OS remédios dos que tomam conta deles
(tirado) do odu de Ifá irete
NOTAS
(1) As ,palavras em iorubd estão transcritas de acordo com as normas ortogrdficas dessa Itngua
( 2 ) DEBRUNNER, Witchcraftin Gana. Accra, 1959. p. 43
(3) Sunday Times. Lagos, 7 apr. 1968.
(4) HOUISI M. Le non individuel chez les Mossi. Dakar, IFAN, 1963. Cap, 5.
(5) MAUPOIL, 0. La geomancie à I'ancienne Cbte des Esclaves. Paris, Institut d'Ethnologie de
I'Université de Paris, 1943.
(6) 0 s algarismos romanos indicam os das histórias publicadas no fim do artigo;os algarismos
arábicos remetem para as linhas destas histórias.
(7) As cerimònias para os abíkú parecem ser pouco frequntes entre os iorubás; a única a que
assisti aconteceu entre os gun, em Porto Novo. Ela me tinha sido indicada por Mille M. J.
Pineau que fez um estudo sociologico de um bairro da cidade para a ORSTOM. Tratavam-se
de oferendas de alimentos feitos aos dbíkú em conjunto com osgèmeos, ibeji, ligando num
mesmo culto as crianças que não querem ficar no mundo e as que vêm duas ao mesmo tempo,
singularizando-se uns e outros, pelas circunstâncias excepcionais de seu nascimento, A
cerim0nia era feita pela tanyinonm encarregada do culto aos deuses protetores de uma famíiia
tradicional do bairro HouBta. Num canto da peça principal, oito estatuetas de madeira de
cerca de vinte centímetros de altura eram colocadas sobre uma banqueta de barro.
Todos vestidos de panos da mesma qualidade, mostrando pela uniformidade de suas vestimentas
pertencer a uma mesma sociedade (egbé). Seis destas estatuetas representam àbíkús e
as outras duas ibeji. As oferendas feitas pela tanyinnon consistiam de oka (pasta de inhame)
obèlá (espécie de caruru) èkeru (feijão moído e cozido nas folhas1 eran dindi, eja dindin
(carne e peixe fritos) que, depois da prece da tanyinon e da oferenda de parte desta comida
às estatuetas, foram distribuídas pela assistència. Uma Sacerdotisa de Obatalá (Chamado Dudua
em Porto Novo) assisti a cerimônia sublinhando as ligações que existiam entre o orixá
da criação, as pessoas de corpos mal formados, corcundas, aleijados, albinos) e aqueles cujo
nascimento B anormal (abikú e ibeji).
Esta cerimônia lembra a que é feita tradicionalmente para os gèmeos na Bahia pelos descendentes
de ioruba trazidos antigamente para o Brasil pelo trdfico. Todos os anos, no dia 27 de
setembro, dia de S. Cosme e S. Damião, 7 meninos são convidados por certas famílias para
comer o caruru tradicional oferecido aos ibeji. Este carui-u não é outra coisa senão o obèlá
da cerimônia dos abíkú e preparado do mesmo modo. Os sete meninos representam os gè.
meos Cosme e Damião, Dois-Dois (deformação de Idowu, aquele que, entre os iorubás, nasce
depois dos gêmeos Táiwo e Kèánindé) Crispim, Crispiniano, SalBk6 e Tàlèbí.
Em sua prece a tanyinon tinha evocado Sàlàkó, que com Tàlàbi são os nomes dados aos me.
ninos e meninas que vem ao mundo com pedaçosde membrana rompida sobre a cabeça; cir.
cunstância excepcionai do seu nascimento que os aproxima da sociedade dos abíku.
(8) HORTON, Robin. Africa traditional thought and Western Science. Afriw. London, 37
{2):159, apr. 1967.
kalabari Sculpture. Lagos, 1965. p. 10
LAVOND~SH, enri. Magie et langage. L'Homme. 1963. p. 115.
(9) WILLIAMS, Peter Morton. Yoruba response of fear of death. Africa. London, 30 (1 1:35,
jan. 1960.
(10) Por dificuldades tipográficas deixamos de transcrever os textos respectivos do original em
iorubá, que se encontram no artigo: VERGER, Pierre. La societé egbé orun des Abíkú, les
enfants qui naissent pour mourir maintés fois. Bulletin de I'lfán. Dakar, 30 (41: 1448187,
1968. (série BI.
lTradução do original em francês de Ieda Machado Ribeiro dos Santos (CEAO).
LA SOCÓTÉ EGBÉ ORUN DESABIKÚ, LES ENFANTS OU1
NAISSENT POUR MOURIR MAINTÉS FOIS
Si une femme, en pays yoruba, donne naissance à une série d'enfants
rnort-nés ou morts en bas âge, Ia tradition veut que ce ne soit pas Ia venue
au monde d'enfants différents, mais qu'il s'agisse de diverses apparitions
d'un rnême être malé fique appelé abiku (naitre-mourir), censé venir
au monde un bref moment pour s'en retourner au pays des morts, orun,
l'au-dela, à diverses reprises. I1 passe ainsi son temps a aller et revenir de
l'au-dela au monde, sans jamais y rester logtemps, au plus grand désespoir
des parents désireux d'avoir de nombreux enfants vivants pour assurer
Ia continuité de Ia famille.
Huit histoires, itan d'lfa, contées par Ies babalawô (les peres qui possedent
les secrets) au Nigeria sont données dans leurs textes complets et
montrent comrnent les abiku sont censés former une société, egbe orun.
Au moment de venir sur terre, chacun d'entre eux doit prendre l'engagement
de revenir auprés de leurs compagnons a une èpoque déterrninée
par lui Mais si les parents parviennent a /e retenir au monde par certaines
o ffrandes, /e charme est rompu, l'abiku, oubliant sa promesse de retour,
et, rornpant ainsi le cycle de leurs allées et venues continuelles entre Ia
vie et Ia mort, reste enfin au monde pour une période de vie normale.
11s reçoivent certains norns au mornent de leur naissance, les suppliant
ou les incitant 2 rester au monde. La fréquence avec laquelle on rencontre
en pays yoruba ces noms, portés par des adultes et des vieillards en
bonne santé, montre que beacoup d'abiku restent au monde, grâce aux
';arécautions" décrites dans cet article.
TUE EGBÉ ÒRUN SOCIETY OF THE ABIKÚ, THE CHILDREN
BORN TO DIE
l f a womari gives birth, in Yoruba country, to series of still-born children
or if they die in infancy, tradition says that it is not the birth of various
children, but that it is the same malevolent creature corning severa1 times
to earth. He is called abiku (born to die) and supposed to come to earth
to return after a short time to the country of the deads. He comes and
goes from and to the "beyond" and the earth without remaining here for
long, for the greatest despair of the parents, anxious to get numerous
children to secure the continuity of the family.
Eight stories, itan of lfa, told by babalawo (the fathers who possess the
secrets) in Nigeria are given in their full ex tension and show how the abiku
are supposed to form a kind of "club", the egbe orun. Each of its
OS OBAS DE XANGO
OS OBAS DE XANGU
VIVALDO DA COSTA LIMA, DO SETOR DE ESTUDOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOL~
GICOS DO CEAO.
O texto dêste artigo cmtitui um verbête da pesquisa etno-linguzktica
que o autor e sua equipe realizam no Centro de Estudos A@-Orientais da
Universidade da Bahia s6bre a linguagem do candomblk. A pesquisa se
orienta pcra um Cevantamento da linguagem ritual e secular do chamado
"fivo-de-santo" na Bahk, com"ênfàFe-Za significa&o atual dos têrmos e
expressóas analisadas - todos de uso corrente nos candomblés e nas camadas
sociais em que os mesmos se inserem. O trabalho tem, assim, uma
orientação sedntica bem definida. Pretende ainda ser, a pesquisa, uma
rewisão crática, de um ponto de vinta etnogrúfico, nas definições e conceitos
referentes as formas africanas assimiladas no wrpus da6 religiões populares
do Brasil, de que o candomblt da Bahia será o modêlo mais típico.
Uma cautelosa analise etimoldgica é, sempre que passável, formulada
para os têrmos de origem africana, especialmente aquêles abonados em grupos
de acentua& influência iorubá-nagô. Os Obh de Xangô, do terreiro do
Op6 Afonjú, como um grupo inclusivo numa associação religiosa afro-brasileira,
mereceram um tratamento por acaso mais extenso; isto, contudo,
se justifica pela necessidade de obter-se um maior nzlmero de elementos
para a andlise etnogrúfica imdispensáirel ci compreensão sociológica das estruturas
dos grupos relig2osos populares no Brasil. A Etnografia, como a
entendemos, é um método já analítico, e não apenas descritivo, que l m r d
às stnteses da Antropologia Social ou da Sociologia. As notas - talvez
excmsivas - ao texto do artigo, são muitas delas outros verb&tm da pesquisa
mencionadu, aqui òbviamente citados numa forma resumida. As palavras
de origem africana foram transcritas de conformidade com as imtruções
do Acorda Ortográfico de 1943. Algumas palavras, entretanto, como Oxóssi,
ossi e Assoibá foram grafadas com dois ss, por tratarem-se de transn2çóes
já consagradas pelo uso. Sempre que nec&irio para uma melhor compreensão
do texto, as palavras iorubás foram transcritas em grifo, sem as
marcas diacriticas e tonais que lhes são próprias, mas com u m aproximada
transcrição fonética grafcr&a entre parthteses; isto pela dificuldaclg
de encontrar, em nosso parque @fico, os tipw espciais usados em iorubá.
Queremos agrdecer ao Professor Nflton Vasco da Gama, da Cadeira de
Filologia Rombnica da Universidade da Bahia, a permissão para citar em
algumas notas trechos de um artigo a ser publicado brevemente na revista
de que d o Editor, Studia Philologica.
I - INTRODUÇÃO
No Centro Cruz Santa do Axé do Opô Afonjá, terreiro de candomblé
situado no Alto de São Gonçalo, no bairro do Retiro, em Salvador da
Bahia, existe um grupo de "oloiês" (I) conhecido como "os Obás de Xangô"
ou "os Ministros de Xango".
O grupo dos Obás foi instituído formalmente no candomblé de São
Gonçalo, no ano de 1937, quando aquêle terreiro estava 'sob a direção de
sua primeira-mãe-de-santo (2) Eugênia Ana dos Santos, "Mãe Aninha", de
quem Édison Carneiro disse ter sido "a figura feminina mais ilustre dos
candomblés da Bahia" (3). "Mãe Aninha" pouco tempo sobreviveu à confirmação
dos Obás (4), vindo a falecer no d,ia 3 de fevereiro de 1938 (5).
Os Obás, originariamente em número de doze, dividem-se em duas falanges,
seis do lado direito, -os chamados Obás-da-direita - e seis do lado
esquerdo, - conhecidos como Obás-da-esquerda. Adiante se verá, quando
tratarmos da função dos Obás na estrutura do grupo, as implicações rituais
e simbólicas dessa polaridade.
Os Obás receberam na cerimônia de sua confirmação, nomes ou oiês
alusivos a personalidades ligadas à história da cultura iorubá. Assim 6
(i) Oloiê, também ojoiê e ijoij.. As três formas abonadas nos candomblés da Bahia,
com a mesma significayão: o portador de um titulo honorífico, um "cargo", um "pôsto"
num terreiro. R. C. Abraham no seu Dictionary of Madern Ywuba, Londres, (Umiversity
o€ London Press, 1958) dá para ijoye (ijoiê) : "Titleholder". No mesmo verbête do
Dicionário - citado daqui por diante como "Ahraham" - vem um exemplo que encerra
duas das formas conhecidas na Bahia como sinônimas: "Oloye taa fee so dt? ijoye niys'i"
(oloiê tá f6 s6 di ijoiê nií), "êste é o candidato ao cargo a quem desejam wr instalado
como titillar". Cf. Peter Lloyd: "Those towns which were capitals were, in the
past, governed by kings (oba) and councils o€ chiefs (oloye or ijoye) who exercised
sovereign powers throuçhout the town and its territory". "Yoruba Lineaçe" Africa, XXV,
8, 1955, np. 235. Das palavras citadas participa o radical oye (oiê) que significa "posi@o
oficial", "car~ro", "p6sto2', "título". Abraham para oye "Oficial position: Titular Office".
Oiê, na Bahia, é usada com a mesma significação; é comum ouvir-se: "Ele tem um oié
na casa de Omolu" "Oxum deu um oi'ê a ela". O prefixo iorubá olo (iolô) - o mamo
que a1 e oni - é usado para as formas possessivas. Oloye, "o qile possui o oye", "o dono
do oye", Abraham: "o10 - the form assumed by oni before noun beginning in o.. .
Oni, possessor o€".
(2) MLe-de-Santo, ou ialorixá. Ou ainda mãe-de-terreiro. A expressão corresponde
à forma iorubá iyalorisa (ialorixá), "a mãe que tem orixá. Do iorubá Iya, "mãe" e
orisa (orixá), "orixá, santo". No Brasil, em terreiros de tradição banto ou cabocla
costumsm dizer que "santo nfão tem pai nem mãe", isto porque entendem literalmente
a expressão traduzida do iorubá-nagô. Abraham: "Injaolo~risa iyaloorisa priestess af
an orisa". A transcriçáo, nestas notas, do S iorubá repriesenta a fricativa escrita ch ou x
em português.
(3) Édison Carneino, Candomblés da Bahia, 3.a ed., Rio, Conquista, 1961, p. 63.
(4)A confirma~ão num iposto qualquer nas casas-de-santo é uma cerimônia que
ratifica o irtatus do membro do grupo na categoria a que ascendeu, Depuas de escm
Ihido, o candidato é confirmado, e, s6 então é que adquire todos os direitos atribuídos
à sua posição.
(5) Sôbre a rnorte de Eugenia Ana dos Santos, ver: Deosdredes M. dos Santos,
Axe' OpÔ Afonjá. Rio, Instituto Brasileiro de Estudos Afro Asiáticos. 1961, p. 217 : 0i autor
é filho único da atual ialorixá do terreiro de São Gonçalo, onde desempenha várias
fun@es rituais, inclusive a de Assobá da Casa, isto é, o zelador da casa de Omolu-Obaluaiê.
Tambkm o artiqo de Édisnn Carneiro "Aninha", publicado no Esta~do da Bahia
de Salvador em 25-1-38 e transcrito no livro Ladina e Crioulos, Rio, Civilizapáo Brasileira,
1964.
pois formou-se um conselho de ministros encarregado de manter vivo o
culto, que foi organi~ado com os doze ministros que o tinham acompanhado
a terra, seis à direita e seis à esquerda". Conclui então o BabalaFi:
"Esses ministros - antigos reis, príncipes ou governantes de territórios
conquistados pela bravura de Xangô, não quizeram deixar se extinguir
a lembrança do herói na memória das gerações. Eis porque, no Centro
Cruz Santa do Aché do Opô Afonjá (lz), de São Gonçalo do Retiro, celebrou-
se neste ano a festa da entronização dos doze ministros de Xang6,
escolhidos entre os ogãs mais velhos e mais prestigiosos do candomblé".
A ialorixá Aninha "entronizou" pois - no dizer de Martiniano do
Bonfim - os 12 Obás de Xangô para que os mesmos fossem o esteio da Sociedade
Cruz Santa do Axé do OpÔ Afonja, o seu núcleo básico de suporte
espiritual. Aos Obás caberia também zelar pelo culto de Xangô
como os antigos ministros de Xangô nas terras iorubás cultuaram a memória
de seu Alafim divinizado.
É indiscutível a influência de Martiniano do Bonfim na organização
do grupo dos Obás. Amigo íntimo de Aninha, conselheiro e babalaô dos
maiores terreiros da Bahia no seu tempo, Martiniano era pessoa muito
informada nas tradições religiosas jêje-nagôs. Falava o iorubá fluentemente
- língua que aprendera com seus pais e aperieiçoara durante suas
visitas à Costa. Da cronologia de uma delas se tem noticia por informação
do próprio Martiniano a E. Franklin Frazier em 1940: - Martiniano,
com cêrca de 14 anos de idade (aproximadamente em 1875), "foi com seu
pai para a Africa, onde permaneceu onLe anos aperfeiçoando seu conhecimento
do iorubá e do inglês numa escola missioniria inglesa. Quando
voltou ao Brasil, já era há muito um babalaô.. ." (13). As leituras de
Martiniano em Lagos sôbre as tradições iorubás, além do vasto corpo de
tradição oral com que sem dúvida se iamiliarizara, é que Ihe permitiram
Lagos, C.M.S. Bookshop, 1948, p. 103. Ainda sobre os Mmgbás diz Ulli Beier: "Wlienever
a house was destruycd by lightning, it was believed to be a sign of Sango's anger.
The pi-operty which remained in the house was confiscated by the cult and a member
o£ the stricken family was initiated into it. The descendants of these original fouiiders
are still the official heads of tlie cult in each tawn. They hold the title of Magba. The
office os iMagba is hereditary. It passes on to the senior child, be it man or woman.
Because of the hereditary natui-e d the office, the Magba, in spite of his senior positioi:
is not always the most intense personification of the god. Far more typical af the
god's nuture are the adoshu, those whom the god has pasonally choseil to join tlie
cult". A Year of Sacred Festivais in orne Ioruba Town, Lagos, Nigeria Magazine,
1952, p. 72.
(12) Este era o nome da sociedade civil que representava o Terreiro, fundada etn
8 de novembro de 1936; a 14 de novembro d 1938, por proposta aprovada em sessão,
seu nome passou a ser Sociedade Cruz Santa do Axi. do Opô Afonjá.
(13) E. Franktin Frazier, "The Negro Family in Bahia, Brazil", trabalho apresentado
a American Sociological Society eni 1941 e publicado na Anzericara Sociological Reziiew
Vol. 7, n.0 4, 1942. Refs. a Martiniano, pp. 474-5.
recriar com Aninha os títulos dos Obás de São Gonçalo, evocando os nomes
e os oiês de "reis, príncipes e governantes" da nação iorubá (14).
Os Obás confirmados por Aninha em 1937 -seis dos quais ainda
vivem - eram todos Ogãs de candomblé, suspensos ou confirmados, e
pessoas intimamente associadas às seitas afro-brasileiras na Bahia; alguns
eram parentes da ialorixá ou de velhas ebômins (15) da casa; um dêles
era Ogã confirmado no candomblé do Engenho Velho, de onde a ialorixá
Aninha era filha-de-santo. Todos eram pessoas de prestígio na comunidade
religiosa afro-baiana e alguns grandes conhecedores dos mistérios
rituais e das tradições religiosas africanas no Brasil ('6). Sua confir-
(14) Cf. D. M. dos Santos, 1961, p. 21: "Foi então que Mãe Aninha, com seus conhecimentos
e autoridade designou e confirmou os 12 Obás do Axé, ou sejam os 12 ministros
de Xangô, tradição da seita s6 conservada na Bahia no Axb do Opô Afonja". Esta
referência completa a de Roger Bastide, referindo-se aos Obás: "Tais ministros, escolhidos
entre os ogan mais antigos e mais estimados do terreiro, constituem todavia criaqão
bastante recente de Martiniano do Bonfim, depois de seu regresso da Africa onde fora
se iniciar no cargo de babalae", O CamdomblP da Rahia (Rito Nagô), São Paubl, Cia.
Editora Nacional, 1961, p 63.
(15) As ebômins - ou ebainins e ainda ebames - são as filhas do terreiro iniciadas
há pelo menos sete anos e que tenham se submetido às obrigações de costume após um,
três e sete anos de iniciadas ou "feitas". Virias etimologias tem sido propostas para
a palavra, que I? entretanto, um termo de parentesco iorubá conservado na família
religiosa dos candomblés. Egbon, (egban) em iorubá, é o parente mais velho da mesma
geração. No caso de irmão, egbon mi quer dizer "meu irmão - ou minha irmã - mais
velho (a)". Ver sôbre as etimologias sugeridas para ebômin o artigo de Roger Bastide
"Conttribuição ato Estudo do Sincretismo Católico Fetichista" em Sociologia do Folclore
Brasileiro, São Paulo, Anhembi, 1959, pp. 132-3. O autor sugere uma relaçjo entre
ebômiri que êle grafa "ebamy" e a Sociedade dos Ogboni, de que trataremos adiante.
Nos candomblks as iaôs, que são o primeiro gráu na hierarquia iniciática do grupo,
chamam de "ebômim" as filhas mais aatigas do terreiro. Precisamente como na familia
iorubá. ". . . . Yoriiba do not discriminate ktween siblings and other cognates of
the speaker's generation and social position who are called egbon (senior sibling) or
aburo (junior sibling) depending on order o£ birth". William B. Schwab, "The 'Terminology
of Kinship and Marriage among the Yoruba", Africa, XXVIII, 4, 1958, p. 306.
Ainda sôbre egbon: ". . . egbon, used for senior sibling male or female and any kinsman
(bilateral) of one's generation senior in birth". Daryll Forde, The Ynruba-Speaking
Peoples of South-Western Nigeria, Londres, International African Institute, reimp. 1962,
p. 14. Sòbre iaô, a palavra em iorubi iymo ou yawo é usada para a esposa mais nova
do grupo familiar ou idile (idilê). Forde: "lawo . . . . wife af a member of one's
idile, herself junior to oneself". Ob. cit,, id.. A forma brasileira de iaâ corresponde a
esta significação, de membros recentes no grupo, nos primeiros estágios da hierarquia.
Poderia ser tambbm a forma abreviada da palavra iorubá iyaworisa (iaôrixá), no sentido
da iniciada recenlte no grupo religiaso, da pessoa "nova no santo", como se diz na
Ba,hia. Verger abona a forma ioruba: "I1 y a enfin les filhos et filhas de santo (iyaworisa
ou iyawo) dkdiés aux divinitbs". Notes sur le Culte des Orisa et Bodun, Mémoirs
de 1'Institiit Francais d'Afrique Noire Dakar, IFAN, 1957, p. 20.
(16) Aninha escolheu os seus Obás entre ogãs ie "amigos da Casa", pessoas cujo
comportamento ela apreciava e cuja posição social e prestígio decoritente pudessem se
refletir no Terreiro. Os primeiros Ohis foram, dessa maneira, escolhidos entre os Ogãs
mais esclarecidos, de mais alta posição no grupo, estáveis e prósperos em seu8 negdcios
e profissões, conceituados e bem relacionados na sociedade global de Salvador. Sua
escolha acarretoii algumas teiisóes e descontentamento entre os candidatos potenciais
a recbm criada categoria e diz-se até que "um português, amigo de Aninha e velho
'k&equentador de seu terreiro. morreu de desgosto por não ter sido um dos Obás".
mação como Obá - obedeceu a um ritual que seguia o estilo da confirmação
dos Ogãs - embora modificado em certos estágios e sensivelmente
reduzido no tempo i~iiciático. Tendo quase todos se submetido antes aos
ritos indispensáveis para uma "confirmação de oiê", só os que não haviam
sido confirmados como Ogãs é que tiveram de submeter-se às estritas
cerimônias de assentamento de santo e reclusão ritual.
11 - O QUADRO ATUAL DOS OBÁS
'Com a morte de Aninha em 1938 - como frequentemente sucede
na &as sociações religiosas afro-brasileiras quando desaparece uma figura
marcante, de prestígio e grande influência na comunidade como era o
caso da ialorixá de São Gonçalo, estabeleceu-se no terreiro um período
de tensões criado pelas disputas mais ou menos ostensivas no plano da
sucessão sacerdotal do terreiro. O recém-criado grupo dos Obás, como um
grupo inclusivo no candomblé, não podia deixar de participar da questão
sucessória; .por sua própria condição de um grupo nôvo, ainda sem
um padrão estabelecido de comportamento ritual nem suficiente base estrutural
na sua organização, sofreu naturalmente, como grupo, as conseqüências
da participação individual de alguns de seus membros na
disputa pela substituição da ialorixá da Casa. Com o apoio, entretanto,
dos mais prestigiosos Obás-da-direita e alguns antigos Ogãs, a Sociedade
continuou a funcionar durante êsse período, garantindo as últimas determinações
da falecida ialorixá Aninha quanto à direção da casa, determinações
posteriormente ratificadas pelas práticas rituais de rigor nos
casos de substituição de uma ialorixá (17).
6 O período de compreensível luta de uma ialorixá, considerada então
"muito moça" (18) para a responsabilidade de direção de uma casa como
São Gonçalo, que herdara a carga da já lendária reputação de sua mãede-
santo, para afirmar sua posição, seus direitos e sua personalidade no
terreiro e na comunidade religiosa afro-baiana, é que levou Bastide a
uma interpretação discutível de um estágio dêsse processo: "Mas da luta
sem tréguas que contra eles (os Obás) travou a ialorixá atual, filha de
Oxum, até conseguir finalmente impor, embora com dificuldade, suas
ordens, pode-se induzir sem grande risco de êrro que a finalidade principal
(a função dos Obás no candomblé) era, do ponto de vista espiritual,
velar pela importância do culto de Xangô - o que justamente uma es-
(17) Sôbre a substituição de uma mãe-de-santo ver, para o esthgio divinat6rio do
processa. D. M. dos Santos, 1962, pp. 85-9. Ali se descreve o "jôgo", a consulta a
Ifá-Orunmilá, orixá da advinhação e do destino, e aos orixás da Casa - para se
determinar o novo quadro dirigente do candomblé.
(18) O pri,ncipio de senioridade é grandemente levado em consideração nêsses casos.
Geralmente a substituta de uma m%e-de-terreiro é escolhida entre as ebòmins mais
antigas - suas próprias irmãs-de-santo ou suas filhas mais velhas - que possuem cargos
importantes na hierarquia do terreiro. Senh,ora de Oxum, embora, naquele tempo
pôsa de Oxum (19) não podia suportar sem mágoa, Oxum sendo para ela
mais importante do que Xango". A "luta sem tréguas" de que fala Bastide
pode ser entendida apenas como parte do processo de afirmação da
autoridade de uma nova máe-de-santo na direção de um terreiro onde
os vários postos hierárquicos e de prestígio estavam de há muito ocupados
por várias ebômins, teòricamente tôdas igualmente candidatas à sucessão
de Aninha. Daí o fato de alguns Obás, antigos ogãs da Casa e a
ela ligados por laços de amizade íntima ou de parentesco, se terem afastado
gradualmente ou de uma vez do Axé, precisamente para não aceitarem
a supremacia ritual e total de uma nova ialorixá de forte personalidade
como Senhora de Oxum.
A interpretação de Bastide parece entretanto apoiar-se em teorias
psicológicas sem maior profundidade analítica e sem suficiente base etnográfica.
O hto de os Obás serem confirmados para Xangô, é claro, resultou
da intenção confessada de Aninha, de criar um corpo de oloiês,
diverso dos ogãs, para maior prestígio e segurança do cuIto de Xangô,
que era, como se sabe, o Santo de Aninha (20). Sua substituta na direção
da Casa, quem quer que viesse a ser, teria, por fôrça mesmo de suas obrigações
rituais e da fidelidade ao culto do santo de sua m%e-de-santo, de
manter inalterado o calendário ritual e de conservar - senão aumentar,
o brilho das festas dc Xangô. Foi isto precisamente o que fêz, desde que
assumiu a completa direção da Casa, Senhora de Oxum. Nenhum culto
específico de orixá é realizado em São Gonçalo com mais rigor e pompa
do que o de Xangô, "o dono da Casa". É notório o zêlo que a atual ialorixá
de São Gonçalo dispensa a Xangô e suas obrigações, "o santo de sua
mãede-santo". As festas de Xangô são as mais movimentadas do terreiro,
e as obrigações semanais cumpridas com regularidade invariável (21).
contasse menm de quarenta anos de idade, já era das mais antigas filhas da Casa,
pois se iniciara com oito anos de idade além de ter sido uma das auxiliares mais
diretas da falecida ialorixá, com quem possuía outros importantes laços religiosos: sua
av6 foi a mãe-de-santo de Aninha.
(19) A atual mãe-de-santo de São Gonçalo é uma "filha de Oxum". Expressão
corrente e usada em lugar de "espôsa", empregada por Bastide, tradução literal do
iorubá iyawo. Oxum Miuá é o nome iniuático da ialorixá Maria Bibiana do Espirito
Santo, Senhora.
(20) Sôbre Aninha e seu orixá, além da nota 5: "Fez Xangô à rua dos Capitães,
em casa de Maria Júlia Figuerêdo, (filha da primeira Iyá Nas&) , juntamente com
Marcelina da Silva, (Obá Toxi) e tio Rodolfo Martins de Andrade, (Bamhxê) , conhecido
tambem como Essa Obitikô. O Xangô de Aninha deu o nome de Obá Biyi". D. M.
dos Santos, 1961, p. 17. O Xang6 de Aninha era Xangô Aifonjá, uma das 12 "qualidades"
de Xangb conhecidas na Bahia. A Xangô Afonjá consagrou Aninha o seu terreiro.
Sôbre a personalidade de Aninha, sua posição e prestígio na comunidade, ver: Donald
Pierson, Brancos e Pretas na Bahia (Estudo de Contacto Racial), Rio, Cbmpanhia
Editora Nacional, 1945, pp. 356-8.
(21) "Em Sáo Gonçalo, as Eestas anuais para Xangô têm inicio a 29 de junho e
duram 12 dias - poi~ 12 são os Xangôs conhecidos pela nação da Casa. Alem dêsse
ciclo anual, cada quarta-feira, que 6 o dia da semana dedicado a XangG, lhe sáa feitas
A Ialorixá de São Gonçalo, embora filha de Oxum, se diz "uma escrava
de Xangô" e nenhuma decisão se toma no terreiro sem que se consulte
o "Xangô Abá da Casa" (22). Por outro lado, no ciclo das festas de
Oxum, não se percebe qualquer etnocentrismo ritual nas cerimônias
anuais para Oxum, que se realizam em três domingos sucessivos logo depois
do ciclo das festas de Oxalá. Dêsses domingos, apenas o primeiro é
exclusivamente dedicado à Oxum da Ialorixá (93).
O afastamento de alguns Obás do terreiro durante os primeiros anos
da direção de Senhora de Oxum e a morte de alguns outros, levaram a
ialorixá a decidir sobre a questão das substituições no quadro dos Obás.
'ri-atava-se também de dar aos Obás çubstitutos permanentes com um
&tatus bem definido no grupo, que pudessem eventualmente ocupar a
função do Obá pouco frequente ou desaparecido, tomando a si os encargos
religiosos e sociais do titular. Senhora foi quem indicou formalmente
os primeiros substituto, qu e Aninha não tivera oportunidade de
fazer. Como foi dito acima, 05 Obás eram originàriamente em número
tle 12. Estava entretanto previsto por Aninha o processo de substituição
eventual de algum Obá - por impedimento temporário ou por morte.
O primeiro caso a se configurar de substituição, por ausência temporária,
foi o do Obá-da-direita, Cancanfô, indicado para Obá muito jovem
e que, logo em seguida i confirmação viajou para o Rio de Janeiro, alistado
na Marinha de Guerra. O seu irmão Almir Santana passou então a
substituí-10 nas cerimônias a que deviam comparecer os ~ b á s ," fazendo
as vezes" do irmão ausente (24).
,
Os Obás passaram a ter, tetricamente, dois substitutos funcionais,
com OS nomes de Otum Obá e Ossi Obá. Isto é, a "mão direita" e a "mão
esquerda do Obá" (25).
Passou a ialorixá cle São Gonçalo a indicar, com a indispensável
aprovação do Santo da Casa", isto é, de Xang6, pessoas outras pai-a os
cargos de Otum e de Ossi dos Ohrís falecidos ou pouco frequentes. A
êstes novos titulares caberia atuar, funcioriar, como os titulares de quem
eram "a mão direita" ou a "mão esquerda". Os primeiros Otuns foram
ainda "amigos da Casa", alguns Ogãs do terreiro, todos ainda do "tempo
da finada Aninha", mas que eram também amigos da atual ialorixá
ou a ela favoráveis durante a fase de estabilização sucessória do terreiro.
A justificativa ritual dessas indicações se enquadra perfeitamente dentro
oferendas e saudayóes especiais", V. da Costa Lima, Uma festa de Xangd no 0pô Afonju,
Salvador, Unesco-Universidade da Bahia, 1959, p. 13. Para uma descricão pormenorizada
do ciclo das festas de Xangô em São Goncalo: o capítulo "Xangô, o Dono do Terreiro",
em D. M. dos Santos, 1962, pp. 45-52.
(22) O Xangô mais antigo da Casa. Do iorubá agba, velho, antigo.
(23) Para uma descri@o do ritual dêsse domingo, ver o capitulo "O Domingo de
Osuni Miwa ou a Festa de Mãe Senhora", D. RI. dos Santos, 1962, pp. 73-5.
(24) Coiniinicacáo pessoal do Obi Cancanfô.
(25) Esprrsv.%s de iiso correntc nos candomblés iorubi-nagbs. C£. coin a expressão
"~neu braço direito" para caracteri~ar a pessoa indispensavel, o auxiliar preciosa.
da ideologia do candomblé: a corrente, a sociedade dos Obás e sua força
espiritual devia manter-se íntegra, sem salução de continuidade. Um
substituto deveria estar sempre disponível e pronto, ritualmente preparado,
para ocupar a função do Obá ausente no ,grupo religioso.
I11 - OS OTUNS E OS OSSIS: A POLARIDADE
A inovaqão da ialorixá de São Gonçalo originou uma certa resistência
que, embora não ostensiva, se manikestava em comentários restritivos
da parte dos velhos dignitários da Casa - Obás e Ogãs - e antigas ebbmins
do terreiro. De um antigo Obá ouvimos, a êsse respeito, "Obá não
tem Otuni nem Ossi", resumindo clcssa maneira o seu clcsaçrado em face
da indicação de um Otum para um Obá pouco assíduo nas suas obrigacões
para com a Casa. As inovações rituais ou estruturais provocam sempre,
quando ocorrem no processo dinâmico das associações religiosas afro-'
brasileiras, resistências e tensões da parte dos elementos mais conservadores
do grupo. Cornentirios e paralelos são ent2o feitos e C comum ouvirem-
se nos setores descontentes expressíjes saudosistas, evocadoras da ortodoxia
dos "velhos tempos". As tensões provocadas pela criação de Otuns
e Ossis no terreiro não [oram entretanto tão agudas a ponto de abalarem
a estrutura recém-instituída da Sociedade. E porisso mesmo, sendu a norma.
de coniportamento imposta hi muito pouco tempo, as novas hierarquias
foram aceitas, afinal, na estratificação do g-iupo, mais como uma complementação
lógica da nova associaqão do que como um elemento deformador.
Vale notar que a criação dos Otuns e dos Ossis obedecia a um estilo
de complementação hierárquica conhccicla em muitos outros "cargos" ou
"postos" de candomblé. A própria ialorixá de São Gonçalo, Senhora de
Oxum, possuía no terreiro, em vida de sua mãe-de-santo, o título ou o
cargo de Ossi Dagã ('6), por que era chamada por todos os membros do
terreiro inclusive por sua mãe-de-santo. Ainda recentemente encontramos
na citada monografia de D. M. dos Santos, toda uma série de cargos atribuídos
às "[ilhas" e "filhos" de um terreiro na Rahia após a morte da í11-
tima ialorixá, apresentando a característica iorubá que marca as substituições
eventuais, funcionais, na estrutura ela Casa (27).
(26) Isto é, "a mão esquerda da Dagá". A primeira relerência ao posto que Senhora
de Oxum usava em São Gonçalo antes de se tornar a ialorixá do terreiro: "A mãe
do terreiro - "Senhora" - cujo nome de batismo i. Ossidagan.. .". José Lima, "A
Festa de Egun", cm Folk-20rr baiano, Bahia, 1946, p. O. José Lima, o primeiro pcsquisador
a escrever um ensaio etnográfico sobre o culto dos Eguns há de ter comprrendido
o titulo, o p6sL0, pelo nome de batisnio. Queremos deixar consignada, nesta nota, a
homenagcm ao saudoso polígrafo que abriu Larlios camirilios para a valorizaqZo da
cultura nacional.
(27) Entre os vários postos distribuidos as filhas mais antigas do tcrreiro do
Engenho Vellio, quarido da substituição da falecida Tia Massi, em 1962, estão: Otum
Ialorixá: Ossi Ialorixá, Iaquequere: 1)ag.ã: Otum e Ossi Dagã; etc. Cf. M. dos Santos,
1962, pp. 82-3.
Vale lembrar qut. na organizaqão social - nas estruturas políticas e
religiosas dos povos iorubás da Nigéria e do Daomé, as posições de mando,
os títulos hierárquicos, hereditários ou não, e religiosos, apresentam
sempre os seus Otuns e seus Ossis, desempenhando êsses titulares as funções
que nas culturas occidentais são atribuídas aos vice-titulares do cargo.
O dicionário de Abraham é muito explícito nos verbêtes otu?z e osi ("8).
Para otun dá "o lado da mão direita" e para osz "o lado da mão esquerda".
Daí em muitas casas-dc-santo da Bahia dizerem comumente "a mão direita
da ialaxé", etc. Abraham esclarece ainda que osi "prefixado a certos cargos
oficiais denota o terceiro em comando daquele cargo". E entre os vários
exemplos dados por aquele autor e ligados Li grande e complexa hierarquia
da estrutura sócio-política dos iorubás, encontramos o Osi Bale
(Ossi Bale) e o Osi Kaka-m-fo (Ossi Cancanfô) êste último precisamente
um dos títulos ou um dos nomes dos Obás-da-direita de São Gonçalo (29).
Foram dessa forma instituídos os Otuns e os Ossis para os Obás de
i São Gonçalo, estritamente dentro do padrão que rege as hierarquias sóciopolíticas
dos iorubás.
As palavras otum e ossi, significando como vimos, respectivamente,
a "mão direita", ou o lado da mão direita, e "mão esquerda" ou o lado
da mão esquerda, têm apresentado alguma variedade no seu emprêgo,
com relação à polaridade dos Obás e suas denominações genéricas. Quando
por exemplo se diz Otum Obá, a expressão significa precisamente o
Obá que ocupa a posição de segunda pessoa do titular, o vice-titular por
assim dizer. E Ossi Obá, claro, a terceira pessoa do titular, o segundo vicetitular,
se se quiser. Entretanto, D.M. dos Santos escreve Otum Obá, genèricamente,
referindo a todos os Obás do lado direito, isto é, a falange inteira
da direita da sociedade dos Obás (30). Uma possibilidade teórica de confusão
se originaria - como está implícita na obra referida, quando se
quiser chamar um Otum Obá, isto é, a vice de um Obá - de um Obá que
seja da direita. Teríamos então, teòricamente, a forma Otum Otum Obá,
que não corresponde aos padrões lingiísticos observados em casos seme-
(28) Otum do iorubá otun, o lado direito: ossi, do iorubá osi, o I'ado esquerdo.
Abraham: "utun, the right hand side"; "osi, lefthand-side. Ainda Abraham: Otun prefixed
to certain Official Titkes denotes the Skcond-in-command of such Office.. . Ossi
denotes the Third in-command".
(29) Um outro exemplo da polaridade, no artigo de Peter Morton-IYilliams sobre a
organizacão do culto e a wsmologia das iorubás: "The Otun Efa (Eunuch of the
Right) represented his religious person. Each cult group negotiated with the king
and Ris high officials throug its official intermediary, who waxither a woman of
the palace appointed iya kekere, "httle mother", of the cult, or a titled slave, the
baba kekere, its "liltle father". "An Outline of the Cosmolog and Cult Organization
of the Oyo loruba", Africa, XXXIV, 3, 1964, p. 253.
(30) Cf. D. M. dos Santos, 1962, p. 21: "Os Obás, alta dignidade do Axe, dividem-se
em 6 Obas da direita (Otun Obá) . . .".
Ihantes (31). Como quer que se apresentem essas variedades de denominação,
elas não são habitualmente empregadas no âmbito da Sociedade ou
do terreiro. Os Obás são alí conhecidos como Obás-da-direita e Obás-daesquerda.
Por sua vez cada Obá - da direita ou da esquerda - possui, ou
pode possuir, um Otum Obá e um Ossi Obá. Os 12 Obás e mais os 24
Otuns e Ossis formam dessa maneira um corpo de 36 titulares que constituem
o grupo dos Obás de Xangô em São Gonçalo do Retiro.
Os Obás-da-direita - Abiodum, Aré, Arolu, Telá, Odofim e Canfanfô - ,
são os que possuem direito de "voz e voto" no grupo de que são o corpo f
executivo. Os Obás-da-esquerda possuem uma posição claramente inferior
aos da direita no que diz respeito à estrutura do grupo e sua representação.
Têm êstes Obás direito apenas "à voz", isto é, possuem no
grupo uma função especificamente consultiva. A maneira com que essa
polaridade se evidencia dentro do terreiro, não está ainda suficientemente
definida. Da Mãe-de-Santo é que se pode ouvir um que outro comentário
de caráter estritamente ritual, sôbre as atribuições dos Obás-da-direita
com relação aos da esquerda ou ao terreiro. Um dos elementos distintivos
da polaridade é o privilégio que têm os Obás-da-direita de saudar
Xangô, o Santo da Casa, com o seu xeré (32). Nas festas de XangÔ,
em São Gonçalo, o xeré de Xangô é tocado ritualmente em saudação ao
orixá pelos Obás-da-direita apenas - e nem mesmo pelos seus Otuns e
(31) Vimos que em iorubá, o otun é o primeiro substituto do pôsto, como o osi é
- o segundo. Os Otun e os Osi não possuem, entretanto, nem Otun nem Osi. Entre os
iorubás a ordem dos titulares segue depois de otun e osi um sistema ordinal: eketa,
ekerin, ekarun, ekefa, etc., isto é, o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto, etc..
(32) O xeré é um instrumento musical feito de cobre ou de uma "cabaqa de
pesdço", com uma extremidade de forma esférica contendo sementes vegetais. É uma
espécie de chocalho, tocado especialmente nos candomblés, para Xangô. Tratando dos
objetos rituais dêsse orixá, escreve Verger: "Un hochet appelé sere fait de cuivre ou
d'une alabasse lui est spécialement reserve et est agité pour le saluer et accompagner
ses chants et I'énonoé de ses oriki". 1957. p. 305. Abraham, no verbete igba, (cabaças) :
"sere (%are> (I) a aalabash with a v q long, thin neck: when cut in half, it is used
as a Iadle; (11) when uncut, it is used as a rattle serving as a drum which announoes
Songo and which is called seree Songo" (-ré Xangô). Abraham usa uma grafia
pessoal, não universalmente aceita, para certos fonemas iorubis. A nasal E, êle representa
por um "o" com um ponto em baixch Notação, como vimos, impossivel de reproduzir
nestas notas. Tratando de um ontrol objeto ritual de Xangô, também muito conhecido
nos terreiros nagôs da Bahia, chamado laba (hbá) uma espécie de sacola de couro
de forma retangular e ornda de desenhos simb615cos, escrevem Joan W m t t e Peta
Morton-Williams: "when they are not carried, laba hang in the dómestic shrines (gbongon)
of the Shango priests and are usad to contain only "thunderbolts" (edun ara).
i. e. neoli'thic celts, and the sacred gourd rattles (shere), which are shaken while
prayers are addressed to Shango". "The Symbolism and Ritual Context of the loruba
Laba Shango", JRAI, Vol. 92, Parte I, 1962, p. 25, O caráter sagrado do xer6 é notado7
em São Gonçalo quando o mesmo é trazido do "quarto de Xan~ô'' para o salão ou O
barracão das festas públicas, sempre envolvido num ojá, uma espécie de xale, conduzido
com a maior reverência. Antes de ser usado o xeré é tocado três vezes no solo pela
ialorixá ou pelo Obá, que o seguram sempre com a mão direita.
Ossis (33). NO terreiro de S. Gonçalo, no barracão (34), os Obás sentam-se ao
lado da ialorixá, de cada lado de sua cadeira. as‘ podemos ver Obás-da-direita
sentados à esquerda da Mãe do terreiro e 0bá;-da-esquerda à sua direita.
Parece que a proximidade e a posição dos Obás com relação à ialorixá
estão ligadas de certa maneira ao princípio de senioridade no tempo da
confirmação. O Obá Abiodum, que ficou, na estruturação do grupo, com
os títulos e encargos do primeiro Obá e seu presidente perpétuo, quando
presente no barracão, senta-se habitualmente na cadeira que está imediatamente
à esquerda da Ialorixá. Quando ausente, seu lugar é ocupado
pelo Otum Abiodum, que por sua vez, na presenca do Obá, se coloca à
sua esquerda. A direita da Ialorixá senta-se habitualmente, o Obá Telá
- êle próprio um filho de Oxum. 13 possível que ao tempo dos 12 Obás
primitivos, estivesse prevista a harmonia da polaridade dos Obás, à direita
e a esquerda, no plano espacial do barracão. O costume entretanto
foi que determinou a definitiva posição dos Obás ao lado da Ialorixá
da Casa. Certamente, os Obás mais frequentes e assíduos às festas da
Casa, iam naturalmente se assentando ao lado dos dois Obás, Abiodum
e Aré - aquêle a esquerda e êste à direita da Mãe-de-santo - de acordo
com as duas únicas especificaqões da Mãe-de-Santo Aninha antes de sua
morte, indicando os referidos Obás para auxiliarem sua substituta; na
direção da Sociedade, o Abiodum, e ao pé do santo, "lessé orixá" (35), o
Obá Aré. Portanto, a polaridade restritiva s6 o era nos direitos e deveres
dos Obás-da-direita e da esquerda, e não na posição em que êles se
colocam, seja à direita, seja à esquerda da mãe-de-santo da casa, no barracão
do Terreiro.
(33) O xeré pode ser tocado, ocasionalmente, por outros olaiCs da Casa, à discrição
da ialorixá. Em São Gonçalo, o falecido Otum Odofim, embora não fôsse o Obá titular,
tinha o direito de tocar no xeré de Xangó, devido a sua condição de Ogá da Oxum
da Ialorixá Senhora. Tambkm o Oju Obá - ojoiê da Casa de Xangô - vem Ultimamente
sendo distinguido com êsse privilégio pela Mãe do terreiro. Uma foto de Pitrre Verger,
mostra a ialorixá do OpÔ Afonjá, "surrounded by dignitaries of the Afro-Brazilian
temple where Yoruba Orisha are worshipped.. . ". P. Verger, "Nigeria, Brazil and Cuba",
na edição especial Nigeria, 1960, de Nigeria Magazine, Lagos, 1960; p. 171. Nesta foto
vê-se muito bem o Otum Odofin que era um cidadão suiço, segurando o xere de Xangô.
A mesma foto foi reproduzida no livro de Michael Crawder, The Story of Nigeria, Londres,
Faber and Faber, 1962. Vale acrescentar que o pesquisador e etnólogo Pierre
Verger 6 precisamente o Oju Obá - "Os Olhos de Xangb" - do terreiro de São
Gonçalo.
(34) Barracão é o nome que se dá à parte construída do terreiro em que se celebram
as festas públicas do candomblé. Em São Gonçalo, o barracão é isolado das outras casas
dos vários orixás, construido ao lado esquerdo e acima da Casa de Oxalá. Por extensão
se chama também, às vezes, de barracão à sala ou salão em que se realizam as festas ou
cerimônias públicas, mesmo quando sejam dependências pequenas, ligadas ao c o ~ p od a
casa. Nesta caso, entretanto, o nome mais empi~gado é "salão". - -
(35) "Lessé orixá", ao pe do santo. isto é, ajudando à ialorixá nos rituais próprios
do culto de Xangô e dos outros orixis. A expressão vem do iorubi lese (lessé) , "aos pés
de". Ese (esse), em iarubi significa pC ou perna.
bolismo posicional das complexas hierarquias dos candomblés. Os Obás
conheciam, por assim dizer, os seus lugares, e conseqüentemente os seus
deveres e direitos, suas prerrogativas e suas limitações rituais. A polaridade
dos Obás constitui assim uma clara hierarquia e s6 um estudo aprofundado
nas histbrias de vida dos primeiros Obás forneceria, com a análise
das relações dos membros no grupo, seus status na comunidade, uma
explicação para a escolha, pela Ialorixá Aninha, dos primeiros titulares
do grupo inicial dos Obás. Certo não foi por acaso que os dois primeiros
Obás ficaram expressamente encarregados pela falecida ialorixá, Aninha,
pouco depois de estabelecida a Sociedade, dos mais importante rôles do
grupo. Na verdade, os únicos então especificamente definidos. O Obá
Abiodum - parente da Ialorixá e Ogã de seu santo, ao tempo da confirmação,
homem de recursos financeiros consideráveis e grande prestígio
na comunidade - ficou com a presidência perpétua da Sociedade Civil
do terreiro e o Obá Aré - antigo Ogá confirmado do terreiro do Engenho
Velho (9,alt o dignitário no culto dos Eguns, em Amoreiras (40) e ligado
por parentesco tambkm a antigas figuras da seita - ficou como o auxiliar
da mãe do terreiro, "lessé orixá", isto é, "nos pés do santo", função
a que foi indicado por seu grande conhecimento nas questões de ritual,
suas cantigas e sacrifícios.
Aos Obás de Xang6 cabe a responsabilidade de ajudar financeiramente
à Ialorixá nas obrigações religiosas do terreiro dedicadas a Xangô
seguinte interpretação : "The prominence they give to tlie left hand suggests that they
perceive that thqr cannot reject one side of themselves, but must accept the unclean - that which is hildden and knowledge that is forbidden - and, further, it emphasizes
the profound of this transation" pp. 272-3. Não devemos esquecer que fóra dessa
excepcional circunstância do simbolismo ritual dos Ogboni, a mão esquerda, o lado
esquerdo, é sempre considerado como impuro, pelos iorubás. Morton-Williams é enfático:
"The left hand is unclean". E em nota a mesma página - "Left-handness is cited
along with albinism and such physical defects as lms of a limb as dlsqualifying a man
from kcoming an oba", p. 272.
(39) O Candomblé do Engenho Velho 6 das mais antigas casas-de santo da Bahia
de origem iorubá-nagô. O terreiro tem em Xangô o seu patrono e em Oxóssi O
"dono da Casa". Do Engenho Velho 6 que sairam as fundadoras de outras importanws
Casas, como o Gantois e o Oph Afonjá. Estas três casas estão pois ligadas por um
complexo e antigo parentesco ritual. Sôbre as ligações do Engenho Velho com o Gantoiis
e São Gonçalo, ver Carneiro, 1961, pp. 61-5.
(40) Culto praticado pelos membros da chamada Sociedade dos Eguns em Amoreiras,
na Ilha de Itaparica e que se dedica aos espiritos dos antepassados ou Eguns. O
culto dos Eguns possui estreitas ligaçks com o terreiro do O@ Afonji e a Ialorixá
Senhora tem ali o pôsto de Iá Ebé, a Mãe do Ebé. Seu filho o Assobá - Ikoscóredes M.
dos Santos - é o Coricoê Olucotum, isto é, o "escrivão de Babá Oluctum", um dos
Eguns mais cultuados em Amoreiras; o Otum Obá Abiodum tem o pôsto de Otum
Maié; um filho-de-santo de São Gonçalo, de nome Ogum Toxi, possui em Amoreiras
o pôsto de Balogum. Senhora de Oxum é que põe "a mão na cabeça" da maioria das
pessoas de Amoreiras, sendo, pois a niãe-de-santo que se encarrega da inicaição, em
São Gonçalo, dos filiados do culto de Eguns que tenham de faam tamikm, "obrigações
de mixá". Outros exemplos poderiam ser dados da associacão Amoreiras-Sáo Gon~a~lo.
Cf. Bastide, 1965, pp. 15-6.
e em quaisquer outras festas do Axé a que cada Obá esteja associado por
suas ligações rituais secundárias: a festa da Oxum da Mãe-de-Santo; a .
festa do seu próprio orixá ou de um orixá em cuja casa (41) possua o Obá
também, cum~tivamente, um outro título ou uma outra obrigaqão.
Assim 'Úm Obá deve contribuir financeiramente - com uma quota que é
as vezes determinada pela Mãe do terreiro quando, então, é igual para
todos os Obás, para as festas do ciclo de Xangô, de quem, como vimos,
os Obás são "ministros". Nesta ocasião, um Obá poderá fazer a Xangô
uma oferta especial, que é geralmente constituída de um carneiro, um
dos animais consagrados ritualmente ao orixá. A contribuição para a festa
de Oxum da Mãe do terreiro é espontânea e variável. Conquanto espontânea,
essa contribuição é quase sempre feita por todos os Obás e varia
de acordo com os recursos atuais de cada um. A Mãe do terreiro, portanto,
não regula essa contribuição, aceitando-a, ainda dentro do espírito
do "ritual de delicadeza" dos candomblés, sempre com as fórmulas adequadas
de agradecimento. Cabe ao Obá ainda contribuir financeiramente
para as festas dos seus próprios orixás, isto é, um Obá, filho de Oxalá,
ou de Ogum, ou de qualquer outro Santo, deve ajudar materialmente
nas festas dêsses orixás, o Terreiro. Se o Obá possuir também no Axé
um outro oiê, isto 6, se for, por exemplo, Ogã de um orixá outro que
não Xangô, deve colaborar nas obrigações rituais dêsse orixá. Alguns
Obás de São Gonçalo são também Ogãs da Casa, suspensos por um santo,
e posteriormente confirmados para o "dono da Casa". Outros Obás p s -
suem também um oiê, um pôsto, conferido por outro orixá. Para ilustrar
a situação, consideremos o caso do Otum Ananxocum, (42). Êste exemplo
pode bem definir toda a tipologia das variáveis de contribuição financeira
dos Obás ao Terreiro. Esse Obá deverá contribuir financeiramente
nas seguintes ocasiões:
a) No ciclo das festas de Xangô
b) No ciclo das festas da Oxum da Mãe do Terreiro
c) Na festa de Oxóssi, por ser o Obá filho de Oxóssi (43).
(41) NOS terreiros de tradição iorubá-nagô de Ketu no Daomé - é costume que
cada orixá tenha a "sua casa". "Casa" possui, aí, uma dupla conotação - da morada
do santo, do lugar onde estão os seus "assentos" e ~ c u so bjetos sagrados, e a outra,
simbólica, de uma instituição abstrata, consagrada ao mixh e que congrega seus filhos
e filhas e rn oloiks. Nêste ultimo caso k quando se diz ter a pessoa um cargo, por
exemplo, na casa de Oxum. Ver adiante a nota 45.
(42) O exemplo foi escolhido ao acaso, entre os vários Obás que apresentam muitas
variáveis com da@o aos seus deveres para com o Axé. O Otum Obá Anaxocum é o
conhecido artista Carybé,
(43) Istio quer dizer que o Obá tem como seu orixá pessoal ou seu "anjo-de-guarda",
na expressão que já se difunde nas comunidades afro-brasileiras, a Oxóssi, orixa da
cag e dos caladores.
d) Na festa de Omolu, na segunda feira seguinte ao domingo das
Aiabás ( 4 9 , festa chamada de "Olubajé de Omolu", por ter o Obá referido
também o pôsto de Iji Apogã, no ebé(45) daquele orixá.
Além dessas contribuições ritualmente obrigatórias da parte dos Obás,
êles devem assistir materialmente, em caso de necessidade e sempre por
intermédio da ialorixá, às filhas de santo do terreiro que lhes foram destinadas
como "afilhadas" (46) na cerimônia da "compra da iao", no estágio
final do ritual iniciático das filhas-de-santo. Esta contribuição pode
ter a forma de uma roupa para o santo; ou as "ferramentas" (47); OU assis-.
tência mais específica em determinados casos de doença e hospitalização,
se necessária; desemprêgo de membros da família da filha-de-santo, etc.
Aos Obás, finalmente, cabe, como o corpo de Ogãs mais graduados do
Axé, assistir a quaisquer outras necessidades do Terreiro, algumas de caráter
pròpriamente ritual, como as cerimônias fúnebres pelos mortos da
Casa; ajuda ocasional nos consertos das casas dos santos a que estejam
ligados ritualmente; consertos ocasionais no Barracão ou na casi de Oxalá;
assistência legal nos problemas da Casa. Estes os deveres dos Obás com
relação ao Terreiro e às várias categorias de seus membros: a Mãe do
Terreiro, as filhas e os filhos-de-santo e suas famílias. As relações dos
Obás com os filhos da Casa, o vasto corpo das filhas e filhos-de-santo
(44) O "domingo das aiabás" é a festa consagrada nos terreiros a todos os orixás
femininos; o termo aiabá tem sido confundido, Irequentemente. por etnólogos e pesquiquisadores
outras, com a palavra iabá. Carneiro, 1961. p. 183: "Iyabá, orixá feminino
(qualquer)". Nos candornbl.és se diz entre o povo-de-santo, aiabá. A palavra em iorubá
significa precisamente "raínha". S. Crowther, no primeiro dicionário extenso da língua
iorubá: "Ayabba (Aya-obba), a queen, a king's wife". Esta obra - A Vocabulary of
the Ioruba Langwge, Londres, Seeleys, 1852, apresenta muitos termos e expressões arcaicas
idênticas na significação As formas conhecidas ainda hoje na linguagem conservadora
dos camdomblés nagôs da Bahia.
(45) Ebé, termo correspondente à "casa" nos sentidos referidos h nota 41. A palavra
em imbB egbe (egbé) significa "grupo, clube, sociedade". "EM de Omolu", o mesmo
que a "casa de Omolu", isto é, o grupo de filhos. filhas e oloiés dosse orixá. O verbête
r ~ cmb A~ D ictionflry nf the Yoruba Language: "Company, party, rank, companic#n
equal, comrade, society, association, guild, class, fraternity". Londres, Oxford University
Press, 1939. Cf. Abraham, para iya egbe (iá ebé): "Senior woman of a bale society".
Ref. Li nota 40.
(46) Na cerimónia da "compra da iaó" - em algumas casas de candomblé conhecida
pelo nome de quitanda das iaôs" ou "panã" - os Obás compram simbblicamente
as ia6s recém-iniciadas. reintegrando-a~p, or essa forma na vida secular de suas famílias,
Sôbre esta fase da iniciação escreve Melville Herskovits: "As such, it functions as a
mechanism of social reintepation, assuring the inithtes that on their return to the
daily round they will not be spiritually or physically beset by the dangers arising out
of intercourse with the secular world frmn which they have been withdrawn, and
which they to re-enter with new names, as new personalities". "The Panan, an
Afrobahian Religious Rite d Transition," em Les Afro-Amdricains, Memoires, 27, Dakar,
IFAN, 1952, p. 133.
(47) As ferramentas são os vários objetos rituais usados pelos filhos-de-santo, quando,
passuidos por seus orixás e já vestidos com as roupas próprias de cada um, entram
processionalmente no barracáo. Cada mix8 possui sua ferramenta específica, que varia
na forma ou no material, mas sempre dentro do estereótipo dominante do orixá.
Esses Obás mais assíduos, naturalmente têm mais omrtunidade de conhecer
outros membros da Sociedade em têrmos porventura mais íntimos.
Saber-lhes os nomes, os nomes civís e os "nomes-de-santo", os títulos ou
cargos na hierarquia da Casa, 2 pormenores outros no plano da vida secular
dos membros do grupo. Resumindo temos que sòmente as iaôs ( 5 9 ,
é que cumprimentam ritualmente os Obás que Ihes serviram de padrinhos
na cerimônia da compra e ocasionalmente - sempre a mando da
ialorixá - um que outro Obá presente à festa. O Obá Abiodum e seu
Otum, e o Obá Aré são sempre cumprimentados pelas iaôs e pelas ebômins.
As iaôs lhes pedem a bênção simplesmente e são por êles abençoados.
As velhas ebdmins têm também as suas mãos beijadas por êles. este
gesto mútuo de respeito é muito frequente entre pessoas do mesmo nível
hierárquico - ou de níveis equivalentes - nas associações religiosas afrobaianas.
Um Ogã, por exemplo, beija a mão de uma ebômin, que, por
sua vez, beija a mão do Ogã.
V - ADMISSÃO NO GRUPO. SUBUSTITUIÇÃO E RENOVAÇÃO
DO QUADRO
Vimos como os primeiros Obás foram recrutados em meio à comunidade
afro-baiana centrada no terreiro da Ialorixá Aninha. Martiniano do
Bonfim termina o seu relato sôbre a criação da Sociedade dos Obás dizendo:
"Eis porque celebrou-se êste ano a festa de entronizaçáo dos
doze ministros de Xangô, escolhidos entre os ogãs mais velhos e mais prestigiosos
do candomblé" (52). Entende-se dai que todos os 12 primeiros
se entende por amalá uma espécie de caruru feito com quiabo e carne, que é arrumado
num prato ou num alguidar sôbre um angu de inhame, de farinha de mandioca ou
de acaqá. A "arrumaçáo" da comida ritual - o caruru cobrindo inteiramente o angu
- é que explica a mudança sernhtica que vem ocorrendo na Bahia com relaqão i palavra
amalá, que em iorubá significa apenas o angu, a papa de inhame ou de outros ingredientes,
e na Bahia adquiriu o sentido de caruru. Carneiro escreve "omalá" (fama
também encontrada na Bahia), e diz: "Caruru especial de Xangô". 1961, p. 186. Entretanto,
no seu Iivro Religiões Negras, descreve corretamente a comida ritual:". . . caruru
com angu ou arroz para Xangô nas quartas4eiras, tem o nome de omalá". Rio,
Çivilizaçáo Brasileira, 1936, p. 76. O amalá é também chamado pelos iorubás de oka
(oca), termo bem conhecido nas Casas nagb da Bahia. Abraham: "o~ka=amala, type
of food made from yam-flour". Entre as várias comidas feitas com inhame na Nigeria,
entre os iorubás, o amalá C das mais elaboradas. William R. Bascom, no artigo "Yoruba
Cooking", desneve o processo da feitura do amalá, com farinha de inhame, a que
chama também de &a isu ou amala isu. Isu (ixu) io o iorubá para inhame, c é termo
correntemente empregado na linguagem de santo.- Em Africa, XXI, 1, 1951, p. 126.
(5i)A rigor uma ia8 deve conservar êste nome de classe até fazer a "obriga$o" de
sete anos; na prática, entretanto, as filhas-de-santo que tenham feito as "obrigações"
de três anos já começam, por uma omcessáo delicada das ebômins, a ser chamadas por
seus nomes-de-santo dentro do terreiro.
(52) A categoria dos ogãs se divide em duas nítidas sub-catego,rias: os cgãs confirmados"
e os ogás "suspensos" ou "tirados". Estes iLltimos não desfrutam de todos os
direitos atribuídos aos ogãs confirmados e sua posição no grupo y6 se estabelece plenamente
depois da confirmaçáo. Diz-se que o ogá "suspenso" porquê, na ocasião d'e sua escolha
por um orixic da Casa, o nôvo Ogã é carregado, suspenso, pois, pelos demais oloiês da
Obás eram, ao tempo de sua entronização, Ogãs do candomblé. Deve-se
entender também, pelo texto de Martiniano, que eram Ogãs do terreiro
de São Gonçalo. Mas, pelo menos um dêles, o Obá Aré - Miguel Santana
- era Ogã do candomblé do Engenho Velho, confirmado para o
santo da falecida Lúcia de Omolu. Um seu filho adolescente, Antônio
Albérico Santana, também já Ogã, foi indicado como Obá Cancanfô.
Vemos que nem todos os Ogãs eram necessàriamente velhos. O princípio
de senioridade aliás não está de nenhuma maneira associado Lt idade cronológica
do Obá - ou dos filhos de Santo e dos Ogãs, mas sim ao tempo
de iniciação ou de confirmação, como no caso dos Oloiês. De todo modo
o Obá Cancanfô tinha pouco mais de 15 anos quando, já indicado Obá,
teve de viajar para o Rio de Janeiro onde deveria servir à Marinha de
Guerra (53). Já vimos como seu irmão Almir Santana, mais moço do que
ele, passou a representá-lo nas cerimonias e obrigações da Casa, sendo a
rigor o primeiro substituto de um Obá a funcionar como tal em São Gonçalo.
Almir Santana possui hoje o título de Otum Cancanfô. A mão direita
do Obá Cancanfô.
Os atuais Obás, com seus Otuns e Ossis, têm sido escolhidos pela
atual Ialorixá de São Gonçalo, a exemplo de sua Mãe-de-santo, dentro
do quadro dos "amigos da Casa". Pessoas de prestígio na sociedade global
da cidade de Salvador - ou seus visitantes eventuais - e que se tornaram
amigos da Ialorixá. Sendo a rigor a indicação dos Obás uma das prerrogativas
da Mãe do Tereriro - que sempre consulta o Santo da Casa
para saber se tem o candidato sua aprovação indispensável - compreendese
que nem sempre haja uma unânime aceitação dos novos membros por
parte dos Obás mais antigos, pelo menos por alguns dêles que ainda frequentam
regularmente a Casa depois da morte de Aninha. Sistemàticamente
a escolha de novos Obás tem sido feita fóra da classe social em
que se inserem os grupos de candomblé. Com duas exceções recentes -
uma das quais ainda analisável em têrmos de ser o Obá um negro em
pleno processo de ascensão econômica e social - todos os outros Obás,
Otuns e Ossis têm sido escolhidos nos estratos mais altos da sociedade.
E vários dos novos Obás não têm sequer residência permanente em Salvador,
vindo ocasionalmente a esta cidade, geralmente em ocasiões como
as festas de Xangô ou de Oxum, quando, então, cumprem suas obrigações
anuais para com a Casa. O corpo dos Obás então, gradativamente se vem
transformando, de um corpo auxiliar da Casa nos planos religioso-ritual
e sócio-econômico, num suporte apenas sócio-econômico do Terreiro. As
cerimônias de confirmação se têm, por outro lado, modificado tão sensi-
Casa, que, em procissão o conduzem em três voltas no barracão apresentando-o dessa
maneira à comgregagio presente à cerimonia. O Ogão é então cumprimentado pela
Mãe-de-santo, pelos orixás presentes à festa e pelos demais presentes, phr ardem de
senioridade iniciltica.
(53) Informação pessoal do Obá.
nhuma cerimônia de iniciação, ou de conlirmação, se faz em "gente de
santo" sem que se faqam também oferendas rituais e votivas aos espíritos
dos seus mortos. Por outro lado o risco, para usar a expressão de um
informante, que corre um Obá de ser "pegado pelo santo" - e que o deve
obrigar a ter verificado de seu orixá se o mesmo quer ser "assentado".
Pois que o Obá - como o Ogã - não pode "receber santo na cabeça" (59).
É portanto desprezível - por inexistente, talvez, no pensar da Ialorixá -
o risco de ter um de seus novos Obás tomado pelo santo, de vez que, como
vimos acima, os novos Obás têm sido escolhidos nas classes sociais que
possuem poucos compromissos culturais com os fenômenos de possessão
religiosa verificados rios candomblés.
As substituições dos Obás falecidos têm sido feitas pelo arbítrio da
Ialorixá, que apresenta sempre a Xangô o nome de seu candidato ao
posto, para a indispensável aprovação. A escolha é então comunicada aos
outros Obás, de maneira informal. Oltimamente, os próprios Obás já
confirmados apresentam seus amigos à Ialorixá que eventualmente os tem
escolhido para os postos vagos da Roça. De t6da maneira é a Iolorixá
quem decide sobre a oportunidade e o merecimento do candidato a Obá.
As vêzes o Otum Obá é confirmado na presença do Obá - como foi o
caso do Otum Obá Telá confirmado na última festa de Xangô, que foi
apresentado à Casa, ao lado do titular. Outras vêzes, e por motivos já
referidos, a indicação do Otum ou do Ossi, se faz precisamente para suprir
a ausência ou omissão do titular primitivo do posto, afastado da roça por
motivos pessoais, ou de saúde. Nesses casos nem os Otuns nem os Ossis
conhecem, sequer pessoalmente, o primitivo titular do cargo, que por sua
vez pode ignorar a existência do que consideram "uma inovação" inaceitável
da Ialorixá.
As relações entre os Obás é marcada por uma interação de caráter
secundário. Encontram-se todos nas festas de Xangô, e nessas ocasiões
tratam-se mais ou menos fraternalmente. Uma das regras da sociedade é
precisamente a solidariedade do grupo. Os Obás devem procurar se entender
bem, deixando de lado, pelo menos no Terreiro, quaisquer tensões
ou diferenças individuais por acaso existentes e causadas por atritos ou
incompreensões pessoais. As queixas que um Obá possa ter de outro -
originadas na vida secular dos Obás - devem ser "conliadas a Xango",
que decidirá e julgará conforme o mérito da questão. De um modo geral,
os atuais Obás mantêm uma atitude de interação mais ou menos íntima
e podem mesmo se distinguir no atual quadro três grupos bem diferenciados.
Cada um dos quais mantem com o imediato uma faixa de interação
bem marcada, alternada com o grupo de que se distancia no processo.
Assim podemos distinguir o gupo dos Obás mais antigos, que
ainda frequentam a casa ocasionalmente, "Obás do tempo de Aninlia" e
(58) O Ogã, como o Obá, não pode "receber santo". Por isso tem o seu santo
assenrndo, e não feito, quando a isto obrigados pela vontade do orixá.
que mantêm boas relações pessoais com o segundo grupo constituído de
Obás mais recentes, porém integrados no terreiro, assíduos e mais ou
menos conhecedores do ritual e da estrutura da Casa a que pertencem.
Este segundo grupo por sua vez se continua no grupo mais nôvo e mais
numeroso - dos Obás que têm sido indicados e confirmados nos últimos
7 anos, e de que se origina, naturalmente, a maior área de tensões na Sociedade.
A análise da influência que os mais recentes membros da Sociedade
têm trazido à estrutura mesma do terreiro só poderá ser realizada
quando se ordenarem os padrões surgidos nessa fase do processo. As posições
hierárquicas dos Obás sendo vitalícias - o recurso da criação dos
Otuns e dos Ossis propiciou, como vimos, o que a Ialorixá chama de a
"continuaqão da corrente", harmonia indispensável à perpetuação espiritual
do Terreiro e Zi sua manutenção material. Tensões pessoais - fóra
do Terreiro - entre os novos membros do grupo têm sido até agora manipulados
com bem sucedida habilidade pela Ialorixá, e os Obás que não
têm razões especiais para se entenderem bem - por diferenças marcadas
de temperamento e de interêsses - são obrigados a manter uma atitude
de cordial tolerância mútua dentro da Sociedade.
No grupo dos Obás - um grupo secundário incluído numa Associação
reliqiosa - existem membros ligados por relações de caráter primário.
Pai e filhos. Irmáos. Primos. E membros ligados por relações de caráter
secundário: membros de classe social. Escritores e artistas. Advogados.
Industriais. O equilíbrio dessas relações na sociedade global é que tem
definido a orientaçgo das relações intra-grupais. Não se deve esquecer a
importante facêta da contribuição linanceira à Casa - na parte que é
voluntária, e que varia de acordo com as condições dos Obás, ùltimamente
quase todos pertencentes às camadas mais altas da sociedade global.
Nota-se, além disso, um grande e progressivo distanciamento dos Obis -
especialmente dos mais recentes, do terceiro grupo - das "camadas horizontais"
da associação, de seu corpus de filhos e filhas-de-santo. Um mínimo
de relações rituais com as zaos de quem são padrinhos, simbolisadas
por saudações rituais e doaçties realizadas sempre por intermédio da Ialorixá.
Pouca ou nenhi~ma interação com as ebômins da Casa; com os antigos
Ogãs e mesmo com os Obás titulares de quem são Otuns e Ossis, os
novos atuantes membros da Sociedade.
VI - OS NOMES-TÍTULOS GOS ORAS
Os Obás têm sido chamados diversamente de "Mobás", "Mangbás",
"Mongbás", que são as várias formas de transcrição da palavra iorubá
Mangbá (59). Em todo caso, na recriação brasileira do titulo - no caso
(59) Airida aquí é difícil transcrever todas as variaritis gráficas da palavra em
iorubá. Abraham escreve: Mongba, com um piomto sob o o, na sua especialissima notacáo.
A maioria dos autores usa contudo a forma Mangba, que muito se aproxima
da transcrição fioinética, lata, que se poderia fazer do termo. Ver n. 32.
O primeiro Obá-da-direita, é Abiodum. Este cargo é ocupado ainda
hoje pelo seu primeiro portador, o Presidente da Sociedade Cruz Santa
do Axé do Opô Afonjá, Arquelau Manuel de Abreu. Abiodum evoca a
figura de um dos mais notáveis reis iorubás, o Alafim Abiodum, segundo
Johnson, o 29.0 Alafim(63), e que terá reinado na segunda metade do
século XVIII; dêle se diz que teve 660 filhos. O seu nome era Adegolu,
aliás um de seus nomes, mas êle ficou glorificado com o nome que trouxe
ao nascer, isto é seu nmirntorunwa ( 6 9 , que é Abiodum, nome que as crianças
iorubás invariàvelmente recebem quando nascem em um dia de
festa. Abiodum foi o Último dos reis iorubás que exerceu pleno poder
sôbre sua terra e seu povo. Com sua morte começou a decadência do
poderoso império nos fins do século XVIII. Jolinson conta pormenorizadamente
o que foi o longo reinado de Abiodum e como êle conseguiu
se desfazer da perniciosa influência do todo poderoso Primeiro Ministro,
o Baxorum Gaá, e, afinal, reinar sòzinho sôbre seu vasto império(65).
O segundo Obá-da-direita é o Obá Aré. este é um título oficial entre
os iorubás e indica preeminência, o primeiro em precedência. Aré é anteposto
a uma série de outros títulos iorubás, como a Aré-Onan-I<ankanfo,
por exemplo. Título êste ocupado em repetidos estágios da história iorubá,
com grande destaque, por seus portadores. Na corte do Alafim de
Oió, o Aré Onã Cancanfô, era confirmado ritualmente no seu posto com
201 incisões na região occipital. Ele usava ainda um gôrro especial cha-
Bakare Gbadamosi publicou uma valiosa cole@o de oriki em que se pode ler:: "Orikr
awon Orisa", salvas para os orixás; "Oriki awon eiye," salvas para pássaros; "Oriki awort
eranko", salvas para animais; "Oriki awon onje wa", salvas para comidas, etc. Orik,
Lagos, Mabari Publications Ibadan, 1961. Sôbre oriki, escreve Ulli Beier: "Oriki is the
most common type of Eoruba poetry. An oriki is a poetic phrase that is used to desaribe
or praise a god of a pcrson. Every Yoruba has his own oriki which he accumulates
in the course of this life". Yoruba Poetry, Ibadan, 1959, p. 12. A obra de Pierre Verger
já citada acima - Notes sur le culte des Orisa et Vodun - é a maior colkç3o de oriki
para orixás já publicada. Alí encontramos vários oriki coletados pelo autor nos condornblés
da Bahia e que são formas ligeiramente modificadas dos orik da Nigéria e do
Daomé. Nas casas-de-santo na Bahia, o nome oriki é pouco empregado, usando-se
comumente o termo "salva" em seu lugar.
(63) Alafin, o titulo do Obá, do Rei dos iorubás. Alafin significa "o Dono do
Afk", "o Senhor do Palácio". Abraham: "aafin palace.. . Alaaafin, Title of the Ruler
o£ Oyo". S6bre o Alafim Abiodum e seu reinado, ver Johnwn, ob. cit., pp. 182-7.
164) OS iorubás ''trazrm um nome ao nascer" e a isto chamam amuntorunzua
(amuntorunuá). O nlome dado pelas circunstâncias do nascimento da criança, ou por
fatos marcantes ocorridos na mesma ocasião, na familia ou na comunidade. Abiodun,
vem do iorubá bi, nascer, e odun, dia de festa, dia feriado. Sôbre amuntorumnw; Abraham.
"This name which a child is said to be bom with.. . is given because a child falls
within a certain category such as twins.. . ". Sôbre Abiodum ainda Abraham: "Male
of Irrnale name.. . this name is abbreviated Omon-tua-bi-soduns as this means the
child born on the Festival, the name is given to children horn on such occasioris".
(65) Da desgraça do Gad e o seu suplício - queimado na fogueira em que !,e
transform<au sua própria casa - Johnson escreve: "His fate has been a lessssoa to a11
usiirpers and abuscrs of powm. It has passed into a proverb Bi o l'aiya Osika, bi o
1.1' iku Gaha o j~io so otito. If you have the heart of a cruel man, take note of Gaha's
death and be true". Ob. cit.. p. 185.
mado ojijiko (odjidjicô), adornado com penas vermelhas de papagaio,
chamadas de icdddé, e também usava uma cauda de porco, símbolo de
seu cargo. Cancanfô L. o primeiro dos títulos militares e na organização
dos iorubás corresponde ao Chefe do Exércitu(66).
Na Bahia, o titulo composto de Aré Oná Cancanfô foi desdobrado
em dois, em Obá Aré, e no bltimo Obá da direita, Obá Cancanfô. Mas
vimos que Aré é um titulo de preeminência e pode ser também usado
isoladamente como acontece no Opô Afonjá.
Aré e Cancanfô eram pois altos dignitários na côrte de Alafim de
Oió, onde ocupavam cargos específicos na organização militar do império.
O nome do terceiro Obá, Arolu, será talvez derivado de um antigo
titulo da sociedade dos Ogboni(67), Aro, mais ilii, cidade.
Verger dá: "Arolu (aro, titulo honorífico, eleito, assembléia)." (68).
Parece entretanto a primeira hipótese mais de acordo com o espírito ou O
estilo da formação de títulos em iorubá.(")
(66) Johnson, ob. cit., pp. 74-5. As palas de "Papagaio da Costa", chamadas na
Bahia de "icodidé" ou "codidé", são usadas em certos momentos das cerimônias de
iniciação, quando são geralmente prêsas à testa do ne6fito. Existem várias hist6rias
queas sociam o icodidí. ao orixá Oxalá. Uma delas é o tema do livro de Deoschredes M.
dos Santos, Porque Oxalá usa Ekodid6. Bahia., Edições Cavaleim da Lua, 1966. Abraham
dZt: "ode=odide=odidere (odé odidé, odideré), parrot": ikoode (côodé) "red parroto-fea.
tliers". O "Papagaio da Costa" - como é conhecido na Bahia - 6 uma ave côr-de-cinza
e cauda vermelha, encontrado na Ahica Ocidental, da família dos Psitacideos, Psitacuir
erithacus. "Plumage a11 grey with paler grey rump, scarlet tail and under tal-coverts ...O.
D. A. Bannerman, Larger Birds of West Africa, Londres, Penguim, Aicain Series,
1958, p. 121. O icodidé ,é importado airida hoje da Africa e alcanp nos mercados
especializados da Rahia altos prels; daí certos pais-de-santo menos ortodoxos na obserr4ncia
do ri:iial usarem penas de pombo tinturadas de vermelho em lugar das verdadeiras
penas de "papagaio da Costa".
(67) A sociedade semeta dos Ogboni é uma associaqão iniciática de grande -penetração
entre os iorubás. Os Ogboni centram sua idealogia no culto da Terra e exercem
uma enorme influência política entre os iorubás, de vez que seus membros são os
conselheiros e dignatários dos Obás. Na verdade, como diz S. O. Biobaku, " . . . The
Ogboni constituted at once the civic murt, the town council, and the electoral college
for the selection of the Oha from candidatm nominated by the ruling houses. By keepinp;
their proceedings secret and binding their members by blood oaths, the Ogboni ensured
solidarity for their decisions". The Egba and their Neighbours 1842-1872, Oxford
Clarendon Press, 1957, pp. 5-6. Sôbre a ideologia, simbolismo e ritual; interditos e sanções
tlcs D ~ h o n i , ver P. Morton-Williams. (19íN). que estuda a Sociedade partindo do
inodklo de 0%. No Brasil, ao tempo das revoltas de escravos no século XIX, hiá evidência
de remanescentes dos Ogboni h frente de organizações libertarias entre os escravos
nagôs. Sôbre o assunto, ver Clovis Moura, Rebeliões da Senzala, São Pau1.0, Edições
Zumbi, 1959, pp. 145-51. A somedade dos Ogboni encerra uma complexa e bem estratificada
hierarquia de oloiês. Arolu era precisamente um desses titulos.
(68) Apud Bastide, 1961, p. 64. Verger menciona ai as variantes da lista de Martiniano
do Bonfim, nos nomes e na polaridade.
comum a prefixa(.ão no iorubá para fmação de nomes e títulos; p. ex., "a
mãe da cidade"; de iya, mXe e ilu, cidade = lyalu. Vale lembrar que êste pôsto é
conhecido na Bahia associado ao culto de Ifá. A Ialorixá Olga de Iansá, Oiá Funmi.
tlo antigo Candomble do Alaqueto, no Matatu de Brotas em Salvador, possui também
o titulo d,e Ialíi 1fá. Durante o IV Colóquio Luso-Brasileiro, os scus participantes
O sexto Obá é Cancanfô, que já vimos acima ser o título do Chefe
do Exército entre os iorubás. De Cancanfô, Johnson ainda diz: "Kankanfos
are generally very stubborn and obstinate. They have a11 been
more or less troublesome, due it is supposed to the effect of the ingredients
~hey were inoculated çt-ith. In war, they carry no weapon but a
baton known as the "King's invincible staff7'(75). O Obá Cancanfô remonta
sua ascendência "a gente de Ibadã", por sua linha paterna. Vale
referir aos títulos conhecidos eiti Ibadã no comêço de sua história como
cidade no primeiro quartel do século XIX: "Are-Ona -Kakanfo, Osi Kafanfo,
Asipa Kakanfo, Ekerin Kakanfo, Ekarun, Kakanfo, Ekefa Kakanfo.
. ." mencionados pelo Chefe J. B. AKINYELE (76).
Anaxocum é um dos Baba Oba, isto é, um dos "pais do Rei", como
se diz em iorubá; Johnson escreve, tratando das cerimônias preparatórias
para a coroação do Alafim: "The nominators are three titled membres
of the Royal family, viz. the Ona-Isokun, the Oná-Aka, and the Omo-
Ola, uncles or cousins of the King, but generally entitled the "King's
fathers"(77). Adiante esclarece Johnson a função dos "pais do Rei": "To
them it appertains to advice, admonish, or instruct the King, especially
when he comes to the throne at a very early age, and as such lacks the
experience indispensable for the due performance of his all-important
duty . The titles are hereditary"(78).
É na casa de Anoxocum, que, ainda segundo Johnson, parece o mais
importante dos 3 Baba Obn, que o novo Alafim deve dormir sua primeira
noite depois de sua eleição para o trono, e os sacrifícios, práticas divinatórias
e propiciatóriar, devem também ali ser realizados (79).
O segundo Obá da esquerda é Areçá. Areçá era o chefe de Iresa
(Ireçá) e vassalo como os outros reis de iorubá e príncipes reinantes da
região do Alafim; Iresá é o nome de duas cidades, uma a leste e outra a
celebram ritos para o espírito do Obá desaparecido. Outra, uma semana depois da primeira,
e que possui um valor simb6lico cuja análise não cabe no espírito dessas notas:
consta de um jantar a que todos os Obás presentes em Salvador devem comparecer.
Nesse jantar, só OS Obás sentam-se a mesa, onde comem e bebem sob as vistas da
lalorixá da Casa, que preside. assim, à refeição ritual. A comida e a bebida - qualidade
e quantidade - são determinadas pelo Santo da Casa. Findo o jantar, o Obá
mais antigo presente, nessa ocasião o Obi Aré, ergue-se co.m os outros Obás e profere
uma oração em língua iorubi, com que evoca o Xangâ da Casa, suas bênçãos e proteqáo
para todos os filiados do Axé e sua Ialorixá. Os Obas então comeyam a se abrapr
uns aos outros, da direita para a esquerda, a partir do Obá Aré, até que o último
Obá, à esquerda, por sua vez o abrace, "fechando a correnhe".
(75) Johnson, ob. cit., p. 74.
(76) The Oullines of Ibadan Histoiy, Lagos, Alebiosu Printing, 1946, p. 6.
(77) Johnson, ob. cit., p. 42.
(78) Johnson, ob. cit., p. 68.
(79) Jollnson, ob. cit., p. 68: "The Ona Isokun seems to be the most responsible of
the three. We have scop that the king elected is to sleep in his house the first night after
his tlection, as the formal cal1 to the throne comes from him. Lustrations, devinations,
and propitiations for the nav King are done in his hmse".
sudeste de Ogbomoxó. Abraham explica a formago do título, tratando
do prefixo A em iorubá, numa de suas múltiplas funções gramaticais:
(a) - (this prefix is used before the names ot certain towns to denote che
Chief of such a town). X - (I) Ajerò the Chief of Ijerò. (11) Akirè the
Chief of Ikirè. . . (VI) Aresa the Chief of Iresà. . . ". Johnson coloca o
.4resa entre os Chefes metropolitanos ou da província metropolitana de
Oi6. (Ekun Osi). "The following are the kinglings in the Oyo provinces.
I - In the Ekzln Osi or metropolitan province: - The Onikoyi of
Ikoyi; Olugbon of Ighun: Aresa or Iresa; the Ompetu of Ijeru; Olofa of
Ofa",(80).
O terceiro Obá da esquerda, é Elerim. Evoca a figura do Chefe de
uma cidade iorubá que fica ao sul de Ofá, de nome Erin. "The Chief is
styled Eleerin", escreve Abraham.
O quarto e o quinto Obás da esquerda, respectivamente Onicoí e
Olugbom, evocam ambos, como vimos acima, os primeiros chefes das províncias
metropolitanas de Oió.
Johnson, depois de se referir a todos os reis vassalos do Alafim de
Oió, escreve: "01 these vassal kings the Onikoyi, Olugbon, the Aresa and
the Timi are the most ancient". E comenta: "Since the wave oi Fulani
invasion swept away the first three, those titles exist only in name. The
Onikoyi has a quarter at Ibadan, tke bulk of the Ikoyi people being at
Ogbomoso, the familv is still extant and title kept up". Em nota 5 página,
o editor do livro de Johnson, seu irmão 0 . Johnson diz: "The town
has been rebuilt and the Onikoyi returned heme in 1906"(81).
Os Chefes representantes das famílias citadas, entretanto, nessa fase
de reintegração ou de setôrno às suas cidades ancestrais, ficam subordinados
ao Chefe da cidade, seja êle um Balé ou um Obá. Assim, completa
ainda Johnson, "the Olugbon at Oqbomoso is subject to the Bale of Ogboraioso,
the Aresa to the lting or Emir uf Ilorin . "(82).
Por último, na ordem dos Obás da esquerda, o Obá Xorum. O nome
dêsse Obá apresenta um interessante fato 1ingUístico.
O título iorubá de Busorz~m (Eaxorum) correspondia em Oió ao cargo
de Primeiro Ministro. Abraham: "In Oyo, ehe Basorun (Prime Minister)
as leader oF the Council of State (Oyo Misi) could, at any time, send a
tyrannical AIáAfin a gilt of parrot's eggs signifying an order, nearly always
obeyed, that a Ruler should destroy himself".
Era o Baxorum assim um poderoso personagem na organização ?olítica
do Reino. Era êle além disso, por suas funções tambCm religiosas,
(80) Johnson, ob. cit., p. 76. No livro mencionado, na nota 62, de Bakare Gbadamosi
entre os virios oriki de cidades iorubás, encontramos: "Ekun rere oriki ile Onikoyz"
e "Oriki Iresn".
(81) Johnson, ob. cit., p. 76.
(82) Johnson, oh. cit., p. 76-7. Cf. Verger apud Bastide (1961, p. 63). "Ar+ssa,
rei de Irèssa, vassalo de Onikoyi e portanto do Alafin.. . Olugbón, rei de Igbon, vassalo
de Onikoyi, portanto do Alafin".
que, no festival anual de Orun partia o obi (89, para consultar as divindades
se elas aceitaram os sacrifícios feitos pelo Alafim, no festival de
Beré (Beré). O poder do Basorun era enorme e numa indicação do novo
Alafim, era êle quem decidia finalmente, se o candidato indicado pelos
"pais do Rei" era ou não aceitável. Já vimos acima, quando tratamos
do Rei Abiodum, como era poderoso um Basorun em Oi6 de nome Gúà
e de como Abiodum dêle afinal se descartou.
Abraham, dá Basorun como vindo de Obá osorun = Iba Osorun =
Osòrun, Prime Minister to the Aláàfin.. .". O posto, por sua importância,
teria que ser lembrado pelos descendentes dos iorubás no Brasil.
A transcrição de Obá Xorum está perfeitamente dentro do estilo das transliterações
do iorubá nos candomblés. E coincidentemente, a etimologia
do Basorun dada por Abraham na Nigéria, corresponde à recriação do título
no Opô Afonjá. Seria, entretanto, o nome primitivo do Obá Oxorum?
Isto daria sem dúvida maior seguranqa à interpretação lingüística,
mas de nenhum modo a forma abreviada Obá Xorum está fóra do estilo
das abreviações correntes no iorubá. Abraham, partindo de oba (Rei,
Chefe, em iorubá) esclarece: " (The following words are derived from the
word Oba): (a) -Ba'lé (Oba + ité). (b) - Ba'lé (Oba + ilé). (c) -
Iba (d) - Basòrun (Oba + osòrun). . . ." (A primeira palavra se deve
ler Balê e a segunda Balé).
Uma palavra ainda sôbre a lista de Martiniano do Bonfim. Lá está,
entre os Obás da esquerda, o nome de "Ekô", a que Verger, citado por
Bastide, opõe uma interrogação nos seus comentários: "Ekô?"(a). O nome
não é conhecido em São Gonçalo como pertencente à categoria dos Obás.
Seria entretanto alusivo ao Obá de Lagos, cidade que em iorubá é cham,
ada precisamente de Eko (Eco). Resta saber porque Martiniano forneceu
essa lista na sua comunicação ao Congresso Afro-Brasileiro. Teria
êle modificado, posteriormente alguns dos nomes dos Obás, completando
com outros que lhe pareceram mais importantes - o Obá Xorum, por
exemplo, o Telá, o Odofim, na ordenação final dos Obás de São Gonçalo?
(83) Uma das práticas divinat6rias usuais entre os iorubás e diariamente usada
nos candomblés da Bahia. para a consulta catidiana ao Santo da Casa. O Obi é a
semente da árvore Cola acuminata, Schot & Endl., Esterculeaácia. N& casdomblés
da Bahia, conhecem-se duas qualidades de obis: o banjá (do iorubi gbanja), e o abatá
(do iorubi abata), este iiltimo também chamado de "Obi verdadeiro" ou "Obi da
Costa", por oposiçáo ao primeiro chamado de "obi nacional". O baniá possui dois cotiiédones,
e é usado em práticas religiosas restritas; o obi abatá, de quatro cotilédones.
é usado na prática divinatbna e da posiç%o em que caem suas quatro partes - para cima
ou para baixo - é que se manifesta a resposta do orixá. Lydia Cabrera descreve
longamente o processo divinat6no por mio do obi, em Cuba, nas comunidades de
ori~em iorubá-nagô no seu excflente livro E1 Monte, Havana. Ediciones C. R., 1954.
Sobre os aspectos botânicos dessa impcrrtan~te semente - bem como do orobô, também
indispensivel ao culto de Xangô. que 6 a Gutífera Gurcinia Kola, Heckel, ver: J . M.
Dalziel, The Useful Plants of West Tropical Africa, Londres, The Crown Agenits for
the Colonies, 1937.
(a) Bastide, 1961, p. 63. Cf. Abraham: "Eko yi soro ye (Ec6 ií xofô i&), this Yoruba
spoken in Lagos is hard to understand".
Não esquecer que o Congresso a que o Babalaô Martiniano apresentou
sua comunicação se realizou no mesmo ano em que os Obás foram entronizados,
em 1937. É possível que, instado pelos organizadores para apresentar
uma comunicayão, Martiniano tenha fornecido uma lista que veio
a rever, mais tarde, na definitiva organização das duas falanges dos Obás.
Como quer que tenha sido, os Obás de São Gonçalo evocam, com
seus títulos, os mitos e a história de um povo que tanto contribuiu para
a formacão étnica e cultural do Brasil.
Acreditamos ter fornecido, com essas notas, os elementos etnográficos
básicos para um ensaio de interpretação sociológica das relações intragrupais
numa associdc;ão religiosa afro-brasileira. Em outro artigo a sair
no próximo número dessa revista analisaremos as relações de um grupo
religioso em nossa sociedade de classes; sua estrutura sócio-econômica; a
mobilidade social e hierárquica de seus membros e seu mecanismo de
liderança.
THE OBÁS OF SHANGO'S
The study deals with an "inclusive group" within a relzgious Afro-
Braxilian association in Bahia, the candomblé of "Axé do Opô Afonjá",
in São Gonçallo do Retiro. The Obás group was founded thirty yars ago
by the former "priestess" of the House with the aim of serving as spiritual
and material base to the strz~cture of the House. The Obús were
at first 12, such a nurnber being allusive to the Shango's categorzes, the
Tlzunder and Lightni,ag god known in the Yoruba-Naço "nation" of Bahia.
The Writer introduces the group, its znstitution within a wider association;
the recruitment procedure of the first 12 title-holders among the
members of the Afro-Brazilian community in Bahia. Next, it examines
the polarity of the group, divided into tzuo phalanxes, six on the right
side with an executive function and six on the left side with an oniy,
advisory function designatzng the ritual and syrnbolic connotations of
that polarity.
The article still deals with the Obá's function over the major groz~p
within which the Obd's is inserted, their spiritual, ritual and financia1
responsibilities towards the Terreiro. (Terreiro is the generic name for
the Afro-Brazilian religious associations, otherwise known as candomblés)
The adrnission procedure or recruitment is also rnentioned as well as the
substitution of the dead or rerniss Obás. Finally an ethnic-linguistic analysis
of the O b a ~na mes is done in a cross-cultural study with the Yoruba
native patterns which served as model to the honorific designations made
up in Rahia.
LES " O B A S V E SH.INGO
L'article se rapporte à un "groupe inclusif" duns une association religfeuse
afro-brésilienne à Bahia, le candomblé de I'Axé do Opô Afonjá,
ic São Gonçalo do Retzro. Le groupe des Obás a été créé i1 y a trente uns
par l'amienne 'ialorlxá" du Terreiro - avec le but de semir de base
spirituelle et matérieile à lu structure de lu Maison. Les Obás étaient
primitivement 12, une chiffre allusive aux types de Shangos orisha du
tonnerre et de lu foudre - connus par la nation iorubú-nago a Bahia.
L'Auteur présente le groupe; son institution dans une association plus
vaste; Ee procès de recrutement des 12 premiers dignitaires parmi les
membres de la communauté afro-brésilienne à Bahia. I1 examine ensuite
la polarité du groupe, divisé en deux phalanges, six a droite avec
une fonction exécutive et six à gauche avec une fonction seulement consultative,
en signalant les implications rituelles et qmboliques de cette
polarité. L'article se rupporte aussi à lu fonction des Obás duns le groupe
majeur auquel celzci des Obás est attaché, leur responsabilités spirituelles,
rituelles et financikres envers le Terreiro. (Terreiro - est le nom
générique qui ont les associations religieuses afro-brésiliennes mieux connues
par candomblès). Le procès d'admssion ou de recrutement est aussi
mentionné duns le groupe et celui de la substitution des Obás morts ou
omis. Enfin, il présente une analyse ethno-linguistique sur les noms des
O b h dans une étude comparative avec les modèles originaires iorubds
qui ont sewi Bexemple aux denominations honorifiques constituées ci
Bahia.